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setembro 15, 2013

cada vez mais noite



Cada vez mais noite quando acordas neste setembro a fingir de pino de verão. Do sono irrequieto em que abraças gente que há muito não vês, e não sabes, do abraço, se é de chegada ou de partida.


 Lá longe , alguém que te faz falta, um recém-nascido  abandonado, a criança pequena a ser tratada na inevitabilidade de um destino – se ficas tratam de ti, se te levo comigo  ainda morres. Estás a pensar no manuscrito, mas é o olhar do médico que não te larga, os olhos verde- escuro cor de musgo, e tu a olhares para esses olhos, a tentar ver o futuro, e os olhos dele cheios de água, sem coragem para to explicar.


E ficou, o texto ficou , à porta de algum convento que não conheces, nalguma caixa de correio sobrelotada, mas entre deixar-te partir ou ficares em casa, preso e sem tratamento, que podia eu fazer por ti?


              maria joão carrilho

maio 08, 2013

d' o livro da primeira classe







O arroz -doce

Quando a Isabel fez anos , a tia Maria deu-lhe de prenda um fogão para as bonecas. Lindo fogão, com fornalha, caldeira, forno e chaminé.
Nesse dia , foram visitá-la algumas meninas suas amigas. E a Isabel pediu á mãe que lhe deixasse fazer no fogão o arroz-doce para a merenda . 
A mãe deu licença, e todas a cantar, trabalharam de cozinheiras. Não se sabe quem deu a receita. Mas o arroz doce tinha leite, limão e canela, e estava tão bom que era de comer e chorar por mais. 

O Carlinhos

O Carlinhos era uma linda criança de cabelos louros e olhos azuis. Faltava-lhe às vezes vontade de estudar; mas logo se animava com a idéia de vir a ser , um dia , como o pai. E então era vê-lo , a ler, a escrever e contar.
(...)

Segue-se a descrição de uma avó, santa velhinha, que reza pelo neto, e o texto acaba assim -  Meu Jesus! Protegei e abençoai o meu menino. Fazei-o como o pai, obediente à Vossa Lei, bom para si e útil à Pátria. 

Moral da história- muitas meninas acabaram por perceber que dar receitas sem receber direitos de autor e trabalhar sem salário não era vida.

  Deitaram fora os lindos fogões e ofereceram aos Carlinhos modelos com programadores digitais . Por isso vivem felizes e contentes e não pensam em voltar atrás.

  

 

janeiro 09, 2012

talvez poema

pobres mulheres da minha terra
sempre à espera
à espera que ele chegue da guerra
ou que suba a escada para o almoço
que à noite se deite na cama
que no chão cresça de novo a erva húmida
que voltem os cansaços

pobres mulheres da minha terra
a olhar a alcatifa podre
e cogumelos no bafio dos cantos
em vez de flores

pobres mulheres da minha terra
 sempre à espera
do roçar da chave na porta

pobres mulheres da minha terra
a deixar crescer o olhar morto
a envelhecer o sorriso
de lábios descendentes num rito conformado

pobres mulheres da minha terra
a arrastar crianças pela mão
em choros convulsivos
e elas sem poder

pobres mulheres da minha terra
a dizer sim e a pensar não
a permitir no silêncio
os pequenos ódios do amor

e no entanto elas morrem
e já não esperam

então por que choram eles?

junho 27, 2011

mir

Mir acorda no seu canto habitual. Só tem coragem de abrir um olho de cada vez. Tudo lhe aborrece na realidade. Torna a fechar os olhos com força. Seomara não voltara a casa na noite anterior. Nem telefonara. Ele às voltas pelo apartamento rosnando sofrimentos e abatimentos pelos cantos. Deitava-se no sofá, logo se levantava, agitado até à cozinha. Aproxima-se da porta da rua. Está sempre a ouvir alguém que chega, mas ninguém mete a chave à porta. Novamente até à cozinha. Olha pela janela. Nada. Atento. O barulho do elevador. Estaca. Não resiste a farejar até à porta. Mulheres, pensa. Não sabem estar bem. Sempre a inventar desculpas para uma briga. Não se consegue ter paz. O que teria ele feito desta vez? Desaparecera por cinco minutos, cinco minutos à conversa com a vizinha do 1º andar. Encontrara-a na padaria, uma insignificância. Tinha demorado um pouco mais que o habitual, mas o pão ainda estava quente ao chegar a casa. Mir vai até à casa de banho, olha insistentemente o bidé. Tem sede. Segue para a cozinha. Abafava-se nesta casa. Pensa em abrir a janela. Onde andaria ela? Nem voltara a casa para jantar. E ele à espera. O que é que te apetece, Mir? Nada. Teria de vasculhar qualquer coisa na cozinha, ela não aparecia para lhe dar de comer. Sente-se encarcerado. Vai até à varanda, e espreita cá para baixo. Um animal enjaulado, é o que ele é. Enjaulado num 6º andar. Nunca devia ter saído da casa térrea onde vivera com os pais. Não resistira ao olhar aveludado de Seomara, à sua voz doce e contida, à sua pele branca e leitosa, macia como uma queijadinha de Carcavelos, a saber a limão.

Mir deixa escapar uma lágrima persistente. Não mais as alegres manhãs em que a perseguia pela casa, em corridas e escorregadelas pelo chão envernizado. Não mais preso da imagem dela a pentear-se, a lavar os dentes antes de sair para o trabalho, ela a abrir a torneira do bidé aonde ele se apoia com as duas patitas da frente para beber água. Que sede que ele tem.