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setembro 18, 2016

meus caros amigos


A partir de hoje, não digo mais nada sobre mim. Nem das lágrimas da minha mãe, nem dos sangues misturados, nem dos comboios que partiam e levavam de nós o homem fardado, tão belo no seu sobretudo cinzento, nem dos aviões que olhávamos a passar no céu e nós feitos parvos a repetir- lá vai o papá.
A partir de hoje só falo das palavras – sim talvez haja uma explicação, uma intenção, para a escolha da palavra morte, essa obsessão pela palavra partir. Ele há vários tipos de morte, pois claro -  e há mortes de onde se vem e às quais se volta.
Muito menos esperem que vos conte o que aconteceu a Maria Antónia, a Marieta e aos outros. Cada um terá de encontrar aquilo a que a alma o levar. Não conjecturem fins felizes, nem infelizes, muito menos completos, já que nada NUNCA acaba. Respostas? Procurem, investiguem, no olhar das pessoas que se passeiam pelos subterrâneos, ou das que preferem a luz que o mar faz reflectir nos seus olhos. Vejam-se ao espelho, descodifiquem, encontrem-se – nem que para isso tenham de se perder por estes labirintos da memória, esta escuridão de sofrer sem a esperança de encontrar no fundo do túnel - a luz.




maio 16, 2016

Nuno Costa Santos




"Praça do Império"

por Nuno Costa Santos, em 04.04.16
O que me liga à Maria João Carrilho? O gosto pela literatura, por teatro, por música, por África. A minha ligação a África é muito diferente da que a Maria João tem – ela que viveu por lá. Pisei África com os filhos daqueles que combateram do lado africano na guerra colonial. Aconteceu nos tempos da Faculdade, num projecto chamado África Renasce, que tentava compreender os processos de democratização dos países de expressão portuguesa. Estivemos em Moçambique e Cabo Verde. Nunca mais vi os meus amigos desses tempos – angolanos, moçambicanos, são-tomenses, timorenses. Onde andarão agora?
Antes de mais, nota decisiva: li o livro ao som dos cabo-verdianos Tubarões. E de Miles Davis, Ottis Redding e Joan Baez, evocados no livro. Mas mais com a melodia dos Tubarões. Combinam com a África do livro, aquela que podemos, leitores, visitar: a África dos batuques, dos camarões com piripiri, dos embondeiros, do ritmo quente sobre a terra vermelha.
Mas não estive só em África mas mesmo nessas deambulações fora do continente continuei a ouvir as mornas, as coladeiras e o funaná da banda que teve Ildo Lobo como maestro. Estive em Portugal, em França, na Alemanha. Conheci personagens como Tiago, Frederico e Raquel. Visitei sentimentos tão antigos e urgentes como o desejo de partir, de desejar o que não se sabe, o tormento de voltar e de estacionar no cinismo. O receio de se viver vidas assim-assim. A saudade de um cacilheiro africano com praia à volta. O medo de morrer e o medo de matar. Ouvi – e aqui faço uma ligação directa ao nome da editora deste livro – os sons da guerra e da paz. A certa altura faz-se uma pergunta simples e urgente: “Como é que se faz para que a guerra acabe?”. É claro que a guerra a que se refere é a guerra colonial mas é uma frase essencial que se pode aplicar a todas as guerra.


 Senti a melodia da literatura – que é disso que aqui se trata. Este livro, sendo uma narrativa, tem o tom de um poema-corrente de bonitos versos, cheios de significado. “Num frio Inverno de Lisboa, o ritmo quente de outro tempo”. “Escolheste o caminho do mar”. “A solidão é isto: desembarcar numa terra onde não se conhece nada nem ninguém”. E uma passagem que resume a condição sempre frágil da vida, sobre qual trata a melhor literatura. “Todos estamos em trânsito, todos e sempre. Não há mais nada além disso, nada”.
Atrevo-me a dizer que há: a leitura de livros como este “Praça do Império”, celebração da memória e do presente através da arte de bem escrever.