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maio 16, 2016

Nuno Costa Santos




"Praça do Império"

por Nuno Costa Santos, em 04.04.16
O que me liga à Maria João Carrilho? O gosto pela literatura, por teatro, por música, por África. A minha ligação a África é muito diferente da que a Maria João tem – ela que viveu por lá. Pisei África com os filhos daqueles que combateram do lado africano na guerra colonial. Aconteceu nos tempos da Faculdade, num projecto chamado África Renasce, que tentava compreender os processos de democratização dos países de expressão portuguesa. Estivemos em Moçambique e Cabo Verde. Nunca mais vi os meus amigos desses tempos – angolanos, moçambicanos, são-tomenses, timorenses. Onde andarão agora?
Antes de mais, nota decisiva: li o livro ao som dos cabo-verdianos Tubarões. E de Miles Davis, Ottis Redding e Joan Baez, evocados no livro. Mas mais com a melodia dos Tubarões. Combinam com a África do livro, aquela que podemos, leitores, visitar: a África dos batuques, dos camarões com piripiri, dos embondeiros, do ritmo quente sobre a terra vermelha.
Mas não estive só em África mas mesmo nessas deambulações fora do continente continuei a ouvir as mornas, as coladeiras e o funaná da banda que teve Ildo Lobo como maestro. Estive em Portugal, em França, na Alemanha. Conheci personagens como Tiago, Frederico e Raquel. Visitei sentimentos tão antigos e urgentes como o desejo de partir, de desejar o que não se sabe, o tormento de voltar e de estacionar no cinismo. O receio de se viver vidas assim-assim. A saudade de um cacilheiro africano com praia à volta. O medo de morrer e o medo de matar. Ouvi – e aqui faço uma ligação directa ao nome da editora deste livro – os sons da guerra e da paz. A certa altura faz-se uma pergunta simples e urgente: “Como é que se faz para que a guerra acabe?”. É claro que a guerra a que se refere é a guerra colonial mas é uma frase essencial que se pode aplicar a todas as guerra.


 Senti a melodia da literatura – que é disso que aqui se trata. Este livro, sendo uma narrativa, tem o tom de um poema-corrente de bonitos versos, cheios de significado. “Num frio Inverno de Lisboa, o ritmo quente de outro tempo”. “Escolheste o caminho do mar”. “A solidão é isto: desembarcar numa terra onde não se conhece nada nem ninguém”. E uma passagem que resume a condição sempre frágil da vida, sobre qual trata a melhor literatura. “Todos estamos em trânsito, todos e sempre. Não há mais nada além disso, nada”.
Atrevo-me a dizer que há: a leitura de livros como este “Praça do Império”, celebração da memória e do presente através da arte de bem escrever.

abril 03, 2016

Céu Nublado com Boas Abertas

  O Homem e a Arte , Essa Inutilidade,o título de Raul d’Andrade que citas.  Pode ser um queixume, uma ironia, mas não corresponde à verdade. A arte vale a pena, ou vale tudo. 


Não, não foi em vão que viajei por Céu Nublado com Boas Abertas de Nuno Costa Santos. 

Depois da pausa inicial por razões menores desta «vida de marinheiro»,  devorei a tua história, ou a do teu avô contada por ti. Tenho a mania de desenhar smiles ao longo das páginas dos livros que vou lendo, e olha que deixei lá alguns- devem ser as tuas boas abertas. Quanto ao céu nublado, essa coisa tão açoriana e mais que portuguesa, lá chegar foi arribar ao Porto Sentido do Rui Veloso.

 A tua escrita é tudo isso – já não lastimo não ter tido oportunidade de te conhecer melhor anteriormente, agora encontrei-te.
E encontrei também aquela ilha Terceira por onde andei enclausurada  – e até a música dos grilos nocturnos, que me encantava  –  olhava mas só ouvia, não via nada  –  no horizonte aprisionado da pista de aviação.

 Também no teu livro me perdi por histórias antigas de tios e avós que passaram pelo Caramulo e devem ter visto a neve como tu a descreves, a mesma que vi pela primeira vez numa excursão do liceu, a cair em farrapos pela Serra, num duche de luz, a enternecer os meus olhos de mágoa, se calhar a querer levar aquele milagre para casa. 

O meu tio Necas morreu no Caramulo, mas antes constituiu família, ainda resta uma primita. Esse desenhava e ajudou-me na matemática… ou no desenho? 
Lembro-me é que passava o tempo a desenhar baratas durante a aula - ele, não eu! Eu ficava hipnotizada a olhar o lápis de carvão, muito mais interessada na mão donde saíam gordas e  raivosas, as baratas, do que naquilo que ele me ia dizendo…

Conta-se que, muito miúdo, colocou um aviso na porta do quarto:

Manuel da cepa torta
  Macedo da burra morta
Carrilho do olho torto

seguido da recomendação Proibida a Entrada …


Ler também é isto- abrirem-se-nos os alçapões da memória, das nossas, quando quem escreve é capaz de patentear as suas. Ler é como conversar e qualquer minuto de silêncio fazer sentido.