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julho 14, 2013

passear





Visto-me de branco

e saio

volto a casa de todas as cores

sou encantada por todos os sons


risos de crianças , de pássaros,chilrear de águas correntes sobre as pedras.


Luz branca , luz colorida, luz entre as coisas, entre nós e o céu, luz, contra-luz, jogam e brincam connosco. Por isso se ri a criança,  entra no jogo e diverte-se,participa e constrói esta espécie de milagre que é estar vivo entre os mortais.


 Que interessa aos poetas estarem vivos nas palavras e nas belas pedras que construímos para eles. A eles interessou-lhes terem vivido os momentos, absorvido as pequenas centelhas, os  brilhos que trocamos uns com os outros, os que se tocam, os que têm a sorte de, como nós, se conseguir tocar. Tocou-me hoje  a gargalhada do que ainda não aprendeu a falar,  o seu rir e o seu olhar, o seu olhar vitorioso, para mim e para a mulher que o acompanha. Ele , pequeno ser de religação de estes outros elementos do  seu universo,  reuniu  no seu riso, o nosso olhar cúmplice,recebemos a sua luz, e distribuimo-la, pelo brilho da água ,pelos  contrastes lúdicos nas pedras , pelos sons , ora rumores, ora cascatas de riso,de fragores húmidos nas pedras que ali se reuniram por acaso.

No parque .



Que sortes, que acasos , que movimentos de massas humanas, de terras, de solos, nos reuniram fizeram encontrar.nos, logo nós, aqui.

 Nesta descida para o larguíssimo rio, lá em baixo,à saída do parque. Que acasos, juntaram estes seres, estes lugares,estes movimentos de terras, construíram estes conjuntos aonde se vive bem, em sítios que ninguém dava nada por eles. Alguém deve ter sonhado.

fevereiro 24, 2013

a cruz e a cigarreira breve



Se as nuvens que vão no céu/ fossem saudades perdidas / haviam de levar longe / as horas aqui vividas. Joaquim Paço d’ Arcos.

 Naquela época eu nem sabia bem quem era Joaquim Paço d’ Arcos, nem hoje, diga-se de passagem.Nem isto me  fazia lembrar guitarras de Coimbra. Muito menos  podia adivinhar que iria acordar, muitos anos depois, com estes versos na cabeça e a lembrança da letra bem desenhada a tinta permanente azul. 

 Tinha sido o nosso ensaiador a distribuir-me Alexandre Herculano, amo-te oh, cruz no vértice divino e a quem eu tinha convencido a trocar por o menino de sua mãe,  a cigarreira breve, já morto e arrefece  . Ambos os poemas, soberbos , e  que ele sabia que qualquer uma de nós podia levar a bom porto. A Guida,  no seu tom mais declamatório exuberante, no empenho que punha em tudo, e eu, mais pivetezinho mas convincente. Logo esta, o ar bem educado de quem não parte um pratinho , a ter a lata de lhe dizer que não gostava d’ a cruz e ele a deixar. Ele com aqueles olhos azuis a organizar a troca com a minha amiga que disse admiravelmente bem o Alexandre Herculano e a deixar-me a mim, premonição , a dizer o poema  que mais me tocava.

  Um homem de olhos azuis, que me ofereceu uma quadra de Joaquim Paço d' Arcos (?) num papelinho amarrotado e que guardo algures desde os dez anos.Isto fará parte daquelas coisas que mais ninguém lerá, um dia destes, nem os netos, nem os sobrinhos netos.

O homem de olhos muito azuis, mais dez ou vinte anos que nós, quem sabe se terá também ele deixado esquecida alguma breve cigarreira, nalguma picada das guerras coloniais, nalgum plaino abandonado, não faço ideia.
 

abril 14, 2012

opus dei, maçonaria e outras tribos


Quando começámos a crescer e demos por nós a pensar que “ a família não dura sempre” e que “eles não nos compreendem” inventámos os grupos. Não existimos sem o grupo.  O grupo não existe sem o símbolo. Aos 11 anos a nossa identidade dependeu de uma espécie de farda desenhada pelo bando de meninas –torturámos as mães para que nos arranjassem saias de ganga , bem mais atrevidas que os desditosos lacinhos cor-de -rosa colados na bata do liceu Maria Amália, passado um ano . Felizmente crescemos.

 Mais tarde, acreditando que unidos venceríamos também fomos em grupos. Um pouco como o woody allen , que diz que o pior que podia acontecer a um grupo era tê-lo a ele como membro ,lembram-se? tive de me render à evidência – não tinha fé , não acreditava.

Muitos dos meus amigos utilizam a pertença  a uma tribo como  truque  para não ficar parado, ter um papel activo na sociedade, poder mudar o mundo, arranjar emprego , oportunidade de negócios. Há quem tenha escolhido a maçonaria,  o opus dei, partidos políticos, clubes de futebol, uma qualquer igreja -  já  na catequese tinha tido a infeliz impressão que aquilo se tratava de um grupo mal frequentado, mais uma clique  aonde o aparente se sobrepunha ao essencial.

Fazendo um balanço da minha vida, tenho de admitir que o grupo a que consegui ser,  intermitentemente, mais fiel  tem sido o dos fumadores.  Quando inventaram as salas de fumadores , era aí que eu queria estar. Os fumadores eram quase sempre gente com quem se podia falar, discutir ideias  e rir de nós próprios.

Imagino-me numa solidão de netos e sobrinhos netos , a fumar aqui por casa, aonde eles não virão, por preferirem a poluição da cidade, dos automóveis , de tudo o que é legal.

Hoje arrependo-me de não me ter rendido a drogas ilegais, daquelas que se podem usar sem incomodar ninguém, sem poluir o ambiente, dar cabo da saúde dos nossos concidadãos. 

Mas vamos sempre a tempo. N’é?

janeiro 24, 2012

A última crónica de Pedro Rosa Mendes e a sopa da mafaldinha


 

 Querida Mafalda

Fui buscar-te porque me apetecia rir; ou pelo menos sorrir, como quando te ouvia falar da liberdade e das susaninhas do sistema. Naquele tempo eu ainda não tinha nem uma, nem outra.
E fui dando a volta ao texto, ao ponto de ter visto a liberdade e ter conhecido uma susaninha em tudo diferente da tua. Até parecia que o antigamente não tinha passado de uma miragem, o ter vivido num mundo sem liberdades e com muitas susaninhas. Mesmo isso eu teria exorcizado.

Mas hoje tive saudades tuas, mais por via do pedro rosa mendes e da raquel freire. É desta, desta vez é que é, 1984, o Big Brothersilenciamento global, como a nossa querida recessãozita, global, mundial, planetária, mas à maneira a que fomos habituados – o silêncio e a fome dos que não “ se adaptarem”, não contemporizarem, dos que tenham a ousadia e a parvoíce de continuar a inventar fantasmas, agitando as bandeiras serôdias da ética, dos direitos humanos, da fraternidade, tudo coisas ultrapassadas, dirão eles, coisas que já provaram não servir a lógica dos mercados.

Hoje estou mesmo down, mafaldinha. Embora partilhar esse pratito de SOPA?




maio 13, 2011

a raça médicos poetas


 É do Miguel Esteves Cardoso a frase que involuntariamente me veio à cabeça.

 Não é que vou aqui fazer um examezinho de rotina, a uma clínica perto de mim pertencente ao grupo BES, e me apresentam um inquérito sobre o meu estado de saúde, antecedentes familiares de cancro de diversos tipos – procedimentos normais, imagino, estatísticas para a prevenção, a minha própria e a de outras pessoas.
Entrego a dita ficha informativa e sou chamada logo de seguida pela solícita recepcionista – a senhora esqueceu-se aqui desta parte. Nada de anormal, sem a minha falta de atenção não era eu. Nome, idade, tinham ficado para trás. Qual não é o meu espanto quando na última linha da “identificação pessoal” só tenho duas hipóteses: Caucasiana ou Negra, para preencher o item da raça, pois claro. Nunca mais tinha visto uma ficha assim, desde o tempo do fascismo. Digo em voz alta. É que me passei para aquela manhã de 1970 nos serviços médicos universitários em frente a um papel azul esverdeado. Reflexo condicionado. A rapariguinha da Clínica do Parque dos Poetas está-se completamente nas tintas para o meu reflexo, sabe lá ela o que era o fascismo. Isto deve ter alguma razão médica, para avaliarem se há mais cancro nas pretas que nas brancas. O benefício da dúvida. Cala-te, não faças escândalo. A minha raça? Nem consta. Devia ter escrito humana, dizem-me depois. Serei eu arraçada? Putas das mamas – é esta a frase de O Público.