abril 03, 2016

Céu Nublado com Boas Abertas

  O Homem e a Arte , Essa Inutilidade,o título de Raul d’Andrade que citas.  Pode ser um queixume, uma ironia, mas não corresponde à verdade. A arte vale a pena, ou vale tudo. 


Não, não foi em vão que viajei por Céu Nublado com Boas Abertas de Nuno Costa Santos. 

Depois da pausa inicial por razões menores desta «vida de marinheiro»,  devorei a tua história, ou a do teu avô contada por ti. Tenho a mania de desenhar smiles ao longo das páginas dos livros que vou lendo, e olha que deixei lá alguns- devem ser as tuas boas abertas. Quanto ao céu nublado, essa coisa tão açoriana e mais que portuguesa, lá chegar foi arribar ao Porto Sentido do Rui Veloso.

 A tua escrita é tudo isso – já não lastimo não ter tido oportunidade de te conhecer melhor anteriormente, agora encontrei-te.
E encontrei também aquela ilha Terceira por onde andei enclausurada  – e até a música dos grilos nocturnos, que me encantava  –  olhava mas só ouvia, não via nada  –  no horizonte aprisionado da pista de aviação.

 Também no teu livro me perdi por histórias antigas de tios e avós que passaram pelo Caramulo e devem ter visto a neve como tu a descreves, a mesma que vi pela primeira vez numa excursão do liceu, a cair em farrapos pela Serra, num duche de luz, a enternecer os meus olhos de mágoa, se calhar a querer levar aquele milagre para casa. 

O meu tio Necas morreu no Caramulo, mas antes constituiu família, ainda resta uma primita. Esse desenhava e ajudou-me na matemática… ou no desenho? 
Lembro-me é que passava o tempo a desenhar baratas durante a aula - ele, não eu! Eu ficava hipnotizada a olhar o lápis de carvão, muito mais interessada na mão donde saíam gordas e  raivosas, as baratas, do que naquilo que ele me ia dizendo…

Conta-se que, muito miúdo, colocou um aviso na porta do quarto:

Manuel da cepa torta
  Macedo da burra morta
Carrilho do olho torto

seguido da recomendação Proibida a Entrada …


Ler também é isto- abrirem-se-nos os alçapões da memória, das nossas, quando quem escreve é capaz de patentear as suas. Ler é como conversar e qualquer minuto de silêncio fazer sentido.

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