Muita gente me pergunta o que é
que eu leio.
Vou-me ficar pelos mais antigos, memórias do
tempo em que recebi Os Lusíadas e, feita louca, passeava pelos campos a decifrar decassílabos durante as férias, a procurar
no índice a explicação para tantos deuses, e cada deus era mais uma história, nos
intervalos do jogo- do-mata, pelos caminhos de Monsanto com os amigos. Se fosse
hoje seria pelo menos «esquisita», como ninguém ia ao psicólogo, salvei-me.
Vislumbres
do Verão em que uma amiga, bem mais velha, me emprestou outro livro cheiinho de
cantigas de amor e de amigo e de poetas do séc. XVI. Um exemplar de capa dura, repleto
de dourados, uma preciosidade. E todas as férias lá ia eu pedir-lho
outra vez.
Há livros que estão proibidos de sair daqui,
desta sala onde trabalho, destas estantes que me rodeiam- às vezes resigno-me e
lá vão os autores estrangeiros-alguns. Mas como é que eu podia mandar a Anne
Frank para o sótão, O Coração das Trevas ou o Faulkner que estou agora a reler?
Nem morta!
Resisto a comprar muitos livros. Tenho,
como quase sempre tive, uma biblioteca pública ao virar da esquina ou muito
perto. Vou lá, para não encher as estantes. Mas como resistir a livros tão belos,
como este do Fernando Pessoa, que até fala de mulheres? Trata das mulheres. Ama
as mulheres, diz ele, a verdade ninguém sabe nem interessa nada para o caso.
Interessam as palavras como lenços de seda pura a afagarem-nos o pescoço, a
abrirem-nos os sorrisos.
Como é que se explica a sensação
de ter lido Lobo Antunes em 1979,Memória de Elefante, um amor para a vida, Clarice Lispector, Erico
Veríssimo, Jorge Amado, Agustina, José Saramago, Virginia Woolf? Ali estão
eles, velhinhos, junto de Viagens na Minha Terra. Mais acima os Agualusas, Mias
, Ondjakis, Luandinos.
Os poetas, coitados, mesmo aqui à minha
esquerda, do lado do coração – da Natália ao Cesário,a Pessanha ou António Botto , Pessoa,
muito Pessoa e Ruy Belo, pois claro.
A Bíblia perto deles, ou na mesa-de-cabeceira.
Não, não acredito em nada, só preciso das palavras.
As palavras mudam de cor de cada vez que as leio. E há algumas que brilham , mesmo na noite escura.
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