setembro 21, 2015

Rui Knopfli e o caciquismo cultural





O Silêncio do Poeta

 Texto de RK destinado a um número de «Tempo» e cortado pela censura em 1973, publicado em 11/8/74   na página CULTURA E ARTE do Notícias ( Moçambique) .  



« Por vezes um hiato, a súbita iluminação de que só o silêncio, um silêncio obstinado e físico, tornado insuportável pela rarefacção e pelo vácuo que instalar em seu redor, pode responder a determinadas solicitações e circunstâncias.

Há, sabemo-lo, perguntas e dúvidas deixadas em aberto, uma missão, talvez, a cumprir,um trajecto a percorrer, um testemunho a prestar e  – diria o poeta – o nosso dever, falar. Mas não pesará mais, por vezes, o silêncio, do que o múltiplo e vário rumor das palavras? – E, ao homem de letras  – creiam-me – , nada é mais trágico, pungente e flagelante do que a renúncia ao seu discurso, à sua própria razão de ser. Contudo, momentos ocorrem em que esta via se lhe apresenta como opção única, único lugar de solácio e refúgio derradadeiro e inexpugnável reduto da razão e da coerência.

Esperando que me perdoem, neste excurso de emergência, a monotonia com que insisto sobre as mesmas fontes, recorro, ainda uma vez e a propósito, aos pontos de vista manifestados por George Steiner, num modelar e justamente famoso ensaio, consagrado a O Silêncio e o Poeta  . Lembra-nos ele, aí, o facto singular de que o homem, como o definiu Aristóteles, é um ser da palavra, que é ela que o separa e o distingue de outras manifestações de vida, que por ela se ergue acima do silêncio vegetal ou do grunhido da fera.

Um pouco por toda a parte a obra literária descobre indícios profundos desse malaise que uma personagem feminina de James Purdy consubstancia, em termos da maior simplicidade, pela expressão: recuso-me a ser escritora num lugar e num tempo como o presente .»

 RK volta  a Steiner e à sua «retórica suicida do silênciopreferível será que o poeta mutile a língua, a ter de sancionar o inumano» – e dá como exemplo a «moderna literatura alemã» confrontada e perseguida pelo pesadelo do nazismo,considerando ele a língua alemã aquela que mais profundamente incorporou e sofreu «a gramática do inumano». E se a norma totalitária é efectiva a ponto de colmatar todas as oportunidades de denúncia, ou de sátira –  RK cita de novo Steiner – que o poeta cesse então de sê-lo.

«E precisamente , porque é isso que faz do homem um ser de indomável inquietude, não deve consentir-se à palavra vida natural, santuário neutral, nos lugares e nas estações da bestialidade. O silêncio é uma alternativa. Quando, na cidade as palavras andam prenhes de selvajaria e mentira, nada fala mais alto do que o poema que ficou por escrever.»

 E termina dizendo – Eis a encruzilhada. Hesitando frente à alternativa implacável, sentindo-lhe a lógica poderosa e convincente, a dolorosa verdade. Conhecendo-lhe o sentido último e as derradeiras consequências, nós aí estamos também.




Com o reconhecimento a Francisco Gomes, homem de teatro, cinema  e cidadania que,  ao tomar conhecimento de um episódio triste sobre a censura ligado a uma história africana que eu estava a escrever, se disponibilizou para me oferecer documentos, fontes fidedignas que tinha trazido de Moçambique.
 Aqui fica, para as patorras que sentimos agora, num policiamento sub-reptício, de  mesquinhos poderes     de mercados ditatoriais ou de capoeiras municipais – para que não tentem calar-nos nunca mais.



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