O Silêncio do Poeta
Texto de RK destinado a um
número de «Tempo» e cortado pela censura em 1973, publicado em 11/8/74 na
página CULTURA E ARTE do Notícias ( Moçambique) .
« Por vezes um hiato, a súbita iluminação de que só o
silêncio, um silêncio obstinado e físico, tornado insuportável pela rarefacção e
pelo vácuo que instalar em seu redor, pode responder a determinadas
solicitações e circunstâncias.
Há, sabemo-lo, perguntas e dúvidas deixadas em aberto, uma
missão, talvez, a cumprir,um trajecto a percorrer, um testemunho a prestar e – diria o poeta – o nosso dever, falar. Mas
não pesará mais, por vezes, o silêncio, do que o múltiplo e vário rumor das
palavras? – E, ao homem de letras – creiam-me
– , nada é mais trágico, pungente e flagelante do que a renúncia ao seu
discurso, à sua própria razão de ser. Contudo, momentos ocorrem em que esta via
se lhe apresenta como opção única, único lugar de solácio e refúgio derradadeiro
e inexpugnável reduto da razão e da coerência.
Esperando que me perdoem, neste excurso de emergência, a
monotonia com que insisto sobre as mesmas fontes, recorro, ainda uma vez e a
propósito, aos pontos de vista manifestados por George Steiner, num modelar e justamente famoso ensaio, consagrado
a O Silêncio e o Poeta . Lembra-nos ele, aí, o facto singular de que
o homem, como o definiu Aristóteles, é
um ser da palavra, que é ela que o separa e o distingue de outras
manifestações de vida, que por ela se ergue acima do silêncio vegetal ou do
grunhido da fera.
Um pouco por toda a parte a obra literária descobre indícios
profundos desse malaise que uma
personagem feminina de James Purdy
consubstancia, em termos da maior simplicidade, pela expressão: recuso-me a ser escritora num lugar e num
tempo como o presente .»
RK volta a Steiner e à sua «retórica suicida do silêncio – preferível
será que o poeta mutile a língua, a ter de sancionar o inumano» – e dá como
exemplo a «moderna literatura alemã» confrontada e perseguida pelo pesadelo do
nazismo,considerando ele a língua alemã aquela que mais profundamente incorporou e sofreu «a
gramática do inumano». E se
a norma totalitária é efectiva a ponto de colmatar todas as oportunidades de
denúncia, ou de sátira – RK cita de novo Steiner – que o poeta cesse então de sê-lo.
«E precisamente ,
porque é isso que faz do homem um ser de indomável inquietude, não deve
consentir-se à palavra vida natural, santuário neutral, nos lugares e nas
estações da bestialidade. O silêncio é uma alternativa. Quando, na cidade as
palavras andam prenhes de selvajaria e mentira, nada fala mais alto do que o
poema que ficou por escrever.»
E termina dizendo – Eis
a encruzilhada. Hesitando frente à alternativa implacável, sentindo-lhe a
lógica poderosa e convincente, a dolorosa verdade. Conhecendo-lhe o sentido
último e as derradeiras consequências, nós aí estamos também.
Com o reconhecimento a
Francisco Gomes, homem de teatro, cinema e cidadania que, ao tomar conhecimento de um episódio triste
sobre a censura ligado a uma história africana que eu estava a escrever, se
disponibilizou para me oferecer documentos, fontes fidedignas que tinha
trazido de Moçambique.
Aqui fica, para as patorras que sentimos
agora, num policiamento sub-reptício, de
mesquinhos poderes – de mercados ditatoriais ou de capoeiras
municipais – para que não tentem calar-nos nunca mais.
Sem comentários:
Enviar um comentário