Quantos mares, quantas separações,
que diversas mortes terão perpassado pelas vidas de mulheres portuguesas.
Quantas partidas , quantas chegadas . É esta a interrogação que está presente nestes
Muros de Maria Ângela Pires.
Uma sensualidade velada, desta
vez a saltar tantos muros , todos os que tivemos de abater naquele tempo escuro
e proibido do amor.
Como Se Te Conhecesse
(…)
mas no peito/ que no golpe se abriu// antes a boca/antes as mãos/ antes
guardar-te/ sem que me doesse/ (pg37) .
Tanto E Tão Leve
Tanto
e tão leve/ o sabor/da pele/ travessia
do corpo/ em mar amargo/ (pg 55).
Se algum traço comum nos
assiste, a nós que somos da beira-mar, é a viagem. Ainda mais aos poetas. Da nossa
terra vê-se o mar, da minha aldeia vê-se o mar, da minha janela vê-se o mar – e
vamos , continuamos a ir e a querer voltar. Por isso somos cada vez mais do
fado, a canção que MA tanto ouvia na infância. O tal destino e a nossa saudade.
Mas Maria Ângela não esquece os muros deste presente - cada
vez mais «muros». Há quem queira até mandar erguê-los para que se não misturem
aqueles a quem a fome expulsa da própria terra , e os outros, os que possam vir a ser infectados por algum sentimento de amor por
essa gente.É que não cai bem que vejamos daqui, do mundo cão, que somos também nós da mesma
espécie, homens e mulheres – não inimigos.
Não resisto a deixar aqui
grande parte de
MARE NOSTRUM
Aos
meus pés este desmaio/da água transparente/ (…)
(…)
Que faço nesta hora se não posso encostar/sequer a porta fugir/ ao desconforto fixo do olhar/ menos
ainda segurar o leme/ignorar
as
barcas os botes, as tábuas amarradas/ que balançam em gritos/contra os deuses
sem glória/que lhes medem as forças/da vida por viver/batida em onda dura/ o
sol sempre cravado na sua pele escura?
Deportados
da sorte/atirados ao mar/quiseram não voltar/ e bateram no fundo// ( a luz é
uma lâmina que cega/ e fecho os olhos)// E se eles tiverem/ toda a razão do
mundo?!
(pg87,88)
O tal destino e a nossa
saudade – ei-los que partem , os
infantes, os filhos e filhas do século XXI- os que forem capazes de derrubar muros.
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