As palavras deitadas à terra não são mais que o húmus que outros farão
crescer- os que bebem as palavras e as deixam renascer.
Nasceu
no dia de hoje, 27 de Fevereiro, mas, como aqueles a quem se ama e que todos os
dias nos habitam e em quem procuramos alento, um calor de alma, o dia do seu
aniversário é tão importante como todos os outros, que são muitos os dias em
que nos apetece abrir passagens para a morada do poeta e pedir-lhe conselho.
Hoje bato à porta da página 367
de Ruy Belo, Todos os Poemas , Transporte
no Tempo – Breve Programa Para Uma
Iniciação ao Canto (ed. Assírio & Alvim).
«A
poesia é um acto de insubordinação a todos os níveis (…). O poeta deve surpreender-se e surpreender,
recusar-se como instituição, fugir da integração, da reforma que até mesmo
pessoas e grupos aparentemente progressivos lhe começam subtilmente a tentar
impor o mais tardar aos trinta anos.» Ruy Belo prossegue « (…) o poeta denuncia-se e denuncia, introduz
a intranquilidade nas consciências, nas correntes literárias ou ideológicas, na
ordem pública, nas organizações patrióticas ou nas patrióticas organizações.»
«Escrever é desconcertar,
perturbar e, em certa medida, agredir. (…)».
Vale a pena virar a página e
perguntar-lhe – mas afinal o que é isso de ser poeta? Que fazer? Diz-me ele que «fala do poeta e não do poetastro, do industrial
e comerciante de poemas (…)», que fala do homem «que constantemente se sublevou»
do que «imolou o coração à palavra» e
«fugiu da autobiografia».
Sim valeu a pena ter virado a página,
para a 368, já que agora te encontro, se não finalmente pacífico, ou talvez
sim, que tu tiveste sempre os olhos postos no futuro e também sonhaste com
amanhãs de mais justiça. E encontro-te como querias «finalmente tranquilo» «finalmente senhor e súbdito do silêncio que
em vão tentaste aprender com as palavras». As tais que adubaste com o
teu «corpo
merecidamente morto e sepultado».
Não, não foi em vão, tu és mesmo senhor
e súbdito do silêncio que aprendeste com as palavras. O silêncio onde cada
palavra se move. Qual a medida certa para o silêncio? Quantos gramas de
silêncio para a palavra «casa», para a palavra «país», para a palavra «liberdade»?
E ninguém ainda conhece a tua fórmula.
– Qual a tua medida de silêncio, o peso exacto, para que uma palavra nossa possa
ser escutada como as tuas?
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