– Escrever
sem ler? Uma das perguntas que se lhes coloca.
A resposta de Mário de Carvalho:
«[…]
Prezo muito e estou muito grato aos grandes escritores que foram meus mestres e
que a cada momento me desafiam e me levam a considerar que, se não estou à
altura, não foi por eles não fazerem o possível por me mostrar em que regiões
se situa e refulge a grande literatura.
É
com algum espanto – e também com aquele susto com que vemos aproximarem-se as
catástrofes – que me apercebo da rasura que autores dos nossos tempos pretendem
impor aos que os precederam e que, não raro, foram aqueles que os despertaram e
lhes moldaram a linguagem, transmitiram os termos de comparação e a seiva de
que se alimentam.
Tem
perorado por aí, um certo triunfalismo inauguratório de quem se apresenta como
fundador da literatura portuguesa, como se antes apenas existisse o nada, ou…o
dilúvio. Trata-se sempre de um efeito que procura – com espírito de oportunidade – tirar vantagens
das lacunas de certo espírito dos tempos em que têm a sua parte as deficiências
do ensino.
Em alguns casos, um agudo sentido de marketing leva à complacência ou mesmo
à cumplicidade com o desconhecimento, não querendo alguns autores que suspeitem
encontrarem-se eles noutro plano de linguagem, a dar para a inacessibilidade,
por demais desencorajadora dos chamados «públicos» que identificam como
consumidores rasos e destituídos.
Mas
em não se tratando de ingratidão, ou senso comercial, existem também os casos
de pura e santa ignorância, carregada de uma ingenuidade que só não suscita
ternura, porque a ignorância costuma apelar atrevidamente à bazófia, e como
diria Aquilino, «à farófia». […]»
Mário
de Carvalho, Intervenção na Sessão de Homenagem a Aquilino Ribeiro, no Panteão
Nacional em 25 de Fevereiro de 2013, O
escritor, Nº1 Associação Portuguesa de Escritores
Também em António Guerreiro encontro idêntica
preocupação no que se refere a alguma “nova” literatura, escrever, ser escritor, não requer ter lido muito e ter uma relação com
a história e a tradição literárias. Esta ausência de um vínculo memorial com a literatura
é um fenómeno completamente novo. Ao contrário de Agustina, diz AG, para quem escrever foi sempre, também uma forma de ler e de ocupar uma posição na
cadeia transmissível da tradição.
É cada
vez mais rara a crítica de escritores, isto é, os textos de escritores sobre os
livros de outros escritores. O
campo literário já não é um “campo de batalha” como foi de maneira extrema
durante toda a época do modernismo . As
batalhas propriamente ditas transferiram-se para a edição e para as regras de
integração no espaço público (veja-se o “caso” Herberto Helder). Os escritores
já não são combatentes nesse campo de batalha. A relação uns com os outros é
agora de outro tipo: é uma relação de concorrência.
António
Guerreiro, A Grande Paz Literária, Jornal
Público, 27, 06, 2014.
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