In, António Carlos Cortez , NOVELAS SUBURBANAS
Uma Leitura não demasiadamente literária,
mas suficientemente libertária.
Tal como Kafka – deixem-me começar assim: de
modo muito erudito e doutoral – o mundo está concentrado no sistema
burocrático, na repartição de finanças transformada em alfa e ómega do real,
também o universo destas novelas está concentrado em elementos que definem o
suburbano, isto é, aquilo que é relativo à urbe mas fica «sub» – lateral à
cidade, marginal, afastado escondido ou oculto nos arrabaldes.
Que esses arrabaldes podem conduzir-nos à
evocação de um texto como esse, de M.S.Lourenço, “ A Sombra das Acácias em
Flor”, onde o ambiente bucólico do Cacém de finais dos anos sessenta, inícios
de setenta, faz confluir industrialização e campos agrícolas, já pejados de
dejectos vários (de que o menor não será por certo o dejecto chamado Homem, na
sua corrupção), eis o que, desde logo, me fez gostar destas novelas.
Sete
novelas, para ser mais exacto. Nada exemplares, ao contrário das de Cervantes.
Nada exemplares, não porque vão
contra o género «novela» - e de facto, estas novelas podem ser lidas como
«contos» ou mesmo «microcontos» –, mas sim porque aqui há qualquer
coisa de profundamente suburbano que só podia arrastar consigo a designação
«novela».
Maria João Carrilho soube
equilibrar as descrições com as opiniões de um narrador quase omnisciente e
subjectivo, mas também implicado (quando é ele próprio personagem principal,
como é o caso da novela «As Criadas – Memória Póstuma de uma pequeno-burguesa».
Artifício obrigatório
para acelerar ou tornar mais lenta a enunciação. Deste modo, pode o leitor
atentar num dado aspecto do que se conta, integrando esse aspecto num modo que
o explica e define. Não é outra, aliás, a atitude novelística e é David Mourão
Ferreira quem nos pode ajudar neste contexto. Diz o autor de Tópicos Recuperados:
«A integração do momento na sucessão dos momentos. A atitude
novelística é a de quem se apercebe do fio ininterrupto das coisas, se encontra
atento ao suceder contínuo, às peripécias, às mudanças; é a atitude de quem vê
a linha desenvolver-se, com seus segmentos de recta e a sua longa série de
curvas, oscilações e sinuosidades. É a atitude do interesse perante a história,
o acontecer, o devir, o “tornar-se”: em suma, perante a aventura – o que há-de
vir. O género literário será a novela – anotação literária de uma linha.»
Estas
novelas de Maria João Carrilho, já pela ironia com que dão a ver as diversas
personagens nas suas pequenas misérias e derrotas, nas suas não menos pequenas
vitórias e deslumbramentos, já pelo mesmo processo de saber interpretar o modo
como, suburbanamente, nos arrastamos todos num formigueiro absurdo; estas
novelas merecem a nossa atenta leitura. E surpreendem-nos.
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