maio 28, 2014

António Carlos Cortez a propósito de Novelas Suburbanas



In, António Carlos Cortez , NOVELAS SUBURBANAS

  Uma Leitura não demasiadamente literária,

 mas suficientemente libertária.





 Tal como Kafka – deixem-me começar assim: de modo muito erudito e doutoral – o mundo está concentrado no sistema burocrático, na repartição de finanças transformada em alfa e ómega do real, também o universo destas novelas está concentrado em elementos que definem o suburbano, isto é, aquilo que é relativo à urbe mas fica «sub» – lateral à cidade, marginal, afastado escondido ou oculto nos arrabaldes.

 Que esses arrabaldes podem conduzir-nos à evocação de um texto como esse, de M.S.Lourenço, “ A Sombra das Acácias em Flor”, onde o ambiente bucólico do Cacém de finais dos anos sessenta, inícios de setenta, faz confluir industrialização e campos agrícolas, já pejados de dejectos vários (de que o menor não será por certo o dejecto chamado Homem, na sua corrupção), eis o que, desde logo, me fez gostar destas novelas. 
Sete novelas, para ser mais exacto. Nada exemplares, ao contrário das de Cervantes.

Nada exemplares, não porque vão contra o género «novela» - e de facto, estas novelas podem ser lidas como «contos» ou mesmo «microcontos» –, mas sim porque aqui há qualquer coisa de profundamente suburbano que só podia arrastar consigo a designação «novela».

Maria João Carrilho soube equilibrar as descrições com as opiniões de um narrador quase omnisciente e subjectivo, mas também implicado (quando é ele próprio personagem principal, como é o caso da novela «As Criadas – Memória Póstuma de uma pequeno-burguesa». Artifício obrigatório para acelerar ou tornar mais lenta a enunciação. Deste modo, pode o leitor atentar num dado aspecto do que se conta, integrando esse aspecto num modo que o explica e define. Não é outra, aliás, a atitude novelística e é David Mourão Ferreira quem nos pode ajudar neste contexto. Diz o autor de Tópicos Recuperados:


«A integração do momento na sucessão dos momentos. A atitude novelística é a de quem se apercebe do fio ininterrupto das coisas, se encontra atento ao suceder contínuo, às peripécias, às mudanças; é a atitude de quem vê a linha desenvolver-se, com seus segmentos de recta e a sua longa série de curvas, oscilações e sinuosidades. É a atitude do interesse perante a história, o acontecer, o devir, o “tornar-se”: em suma, perante a aventura – o que há-de vir. O género literário será a novela – anotação literária de uma linha.»

Estas novelas de Maria João Carrilho, já pela ironia com que dão a ver as diversas personagens nas suas pequenas misérias e derrotas, nas suas não menos pequenas vitórias e deslumbramentos, já pelo mesmo processo de saber interpretar o modo como, suburbanamente, nos arrastamos todos num formigueiro absurdo; estas novelas merecem a nossa atenta leitura. E surpreendem-nos.

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