outubro 27, 2013

mágica morte e saramago



O primeiro funeral a que assisti  foi o de uma colega de liceu. Tínhamos para aí doze anos.Nem a conhecia bem. Nem percebi por que tínhamos percorrido a pé um caminho para os Prazeres, numa espécie de procissão. 
Quem se terá decidido a mostrar a morte às alunas?
A invadir o espaço privado de uma família, para uma encenação daquele tipo?

 Estas, as dúvidas que muito mais tarde se abeiraram do meu cérebro. 

Em nós, a mágica palavra morte , a incompreensível palavra morte num país de eternidades depois da morte, vidas para além da morte, como se o se vão da lei da morte libertando, fosse uma coisa ótima, o sítio onde estava deus, onde morava nossa senhora e o menino jesus. Mas porque é que alguns desistem desta ilusão aos seis , sete, nove anos de idade?   É cedo demais para se perder uma ilusão deste tipo. Por isso é que inventamos outras.

Ilusões do fundo do mar, do lado de lá do azul.  Talvez por ali, por aquele sítio inacessível, existam realmente os deuses. E esta mentira acalma-te. As histórias que inventas são um local aprazível, cheio de flores que falam, senhoras e homens pequeninos   que cantam   escondidos entre as ervas e que  escutas dentro de conchas  .

E por mais certeza do NADA que te assista , lá vais tu acompanhar à última morada mais alguém. E alguns continuam mesmo vivos, para ti, na obra deles – aquilo que tu construíste sobre eles com os dados a que tiveste oportunidade de aceder.

É uma relação como qualquer outra, esta . Determinado alguém existe na distância .  Ele não vive contigo, mas a idéia dele , a sua representação. 

Uma das principais vantagens deste tipo de relação é precisamente a distância . Só aturas até querer. Viras a página, fechas o livro ; mesmo apaixonada, escolhes outra capa, outro título , dizes, espera aí um bocadinho, não estou in the mood, voltas a colocá-lo na estante, até um dia.

E nunca vais mesmo perceber porque é que acreditaste nuns e não noutros  nem o que te levou a ir mesmo lá, ao cemitério .

Nem hoje , aqui, junto à sombra da oliveira da Casa dos Bicos.

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