O primeiro funeral a que assisti foi o de uma colega de liceu. Tínhamos para aí doze anos.Nem a conhecia bem. Nem percebi
por que tínhamos percorrido a pé um caminho para os Prazeres, numa espécie de
procissão.
Quem se terá decidido a mostrar a morte às alunas?
A invadir o espaço privado de uma
família, para uma encenação daquele tipo?
Estas, as dúvidas que muito mais tarde se
abeiraram do meu cérebro.
Em nós, a mágica palavra morte ,
a incompreensível palavra morte num país de eternidades depois da morte, vidas
para além da morte, como se o se vão da
lei da morte libertando, fosse uma coisa ótima, o sítio onde estava deus,
onde morava nossa senhora e o menino jesus. Mas porque é que alguns desistem
desta ilusão aos seis , sete, nove anos de idade? É cedo
demais para se perder uma ilusão deste tipo. Por isso é que inventamos outras.
Ilusões do fundo do mar, do lado
de lá do azul. Talvez por ali, por aquele sítio inacessível, existam realmente
os deuses. E esta mentira acalma-te. As histórias que inventas são
um local aprazível, cheio de flores que falam, senhoras e homens pequeninos que
cantam escondidos entre as ervas e que escutas dentro de conchas .
E por mais certeza do NADA que te
assista , lá vais tu acompanhar à última morada mais alguém. E alguns continuam
mesmo vivos, para ti, na obra deles – aquilo que tu construíste sobre eles com
os dados a que tiveste oportunidade de aceder.
É uma relação como qualquer outra, esta . Determinado alguém
existe na distância . Ele não vive
contigo, mas a idéia dele , a sua representação.
Uma das principais vantagens
deste tipo de relação é precisamente a distância . Só aturas até querer. Viras
a página, fechas o livro ; mesmo apaixonada, escolhes outra capa, outro título
, dizes, espera aí um bocadinho, não estou in
the mood, voltas a colocá-lo na estante, até um dia.
E nunca vais mesmo perceber
porque é que acreditaste nuns e não noutros
nem o que te levou a ir mesmo lá, ao cemitério .
Nem hoje , aqui, junto à sombra da
oliveira da Casa dos Bicos.
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