Ler com o coração, ler com a
inteligência e a memória. Há livros em que apetece mergulhar nas turbulentas
águas das vidas, ainda mais furiosas que as dos oceanos, daí, quem sabe, este
título - Que Importa a Fúria do Mar. Ler este romance é submergir, ficar sem respiração
por muitas páginas de frases em que a palavra é entalhada a escopro e a martelo,
frases que sustentam esta construção de granito, de lamas e areias movediças,
de sangue, de som e de fúria. Sim, de
som e de fúria, ouviram bem, as palavras de Shakespeare que Faulkner roubou –
roubou não, usou, que elas ficaram no mesmo sítio, cantadas por
toda a parte. Mas isto é outra questão.
Há leitores que lêm
civilizadamente e há quem prefira ler selvaticamente, não dar demasiada
importância a referências culturais, citações e epígrafes, sobretudo quando se
lhes apresenta uma escrita de valores mais altos.
Ana Margarida de Carvalho refere Pollock, logo no início, creio. E o leitor adapta-se a esta sugestão. Em Ana Margarida interessa-me a crueza, a crueldade, a selvajaria incorporada na ternura do universo.
Ana Margarida de Carvalho refere Pollock, logo no início, creio. E o leitor adapta-se a esta sugestão. Em Ana Margarida interessa-me a crueza, a crueldade, a selvajaria incorporada na ternura do universo.
Não, não “é tudo igual ao litro”,
nem a reportagem de Eugénia (pág. 227), nem “o bailado das aves” e “os pássaros
sem olhos”, nem o guarda Cabaço, nem a Marinha Grande, nem Torres Vedras. Aqui, no Tarrafal, onde “ o melhor momento do dia é o ir
despejar os dejectos ” quem lê sente o corpo a doer.
E o “jet-lag crónico, incurável “ que acompanha esta ” indiferença
sonolenta” dos nossos dias aparece no mesmo plano de “ os guardas também estavam
presos àquele tempo sem tempo, com as pernas entorpecidas naquele lugar que não lhes pertencia(...)” (pág. 222).
Este romance não é um panfleto, é
sobre os labirintos interrogativos do ser.
Tanto tempo, tantos anos de
silêncio, é hora de acabar com isto, de darmos estas histórias a ler aos nossos
filhos, pode ser que eles percebam do que se livraram, ou se interroguem sobre
o que lá vem.
E ainda que não seja por isso, não podem
perder esta autora,a quem me apetecia chamar- Margarida Fúria.
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