Paulo M. Morais humaniza, relativiza e ironiza
a grande desgraça que nos aconteceu, limpa as lágrimas de quem acreditava, faz
rir – lá estamos nós, o grotesco, as ilusões da juventude, de sociedades de
anjos revolucionários, daqueles que vão para o céu. Nós éramos assim, queríamos
um mundo melhor, muito ao modo de Jesus Cristo, sendo ateus.
Paulo
Morais não se fica pelo documento histórico, pela pesquisa de diversas fontes,
entre elas um arquivo de notícias coligidas pela avó. Na história contada, a
revolução dos cravos, entremeia o autor uma outra, fantástica – a visão de Eva
do Paraíso. Não resisto a citar estas palavras de Eva , a minha personagem preferida.
(...) Não quero perder este estatuto de
imperatriz. Tratam-me todos nas palminhas, independentemente dos cargos. Haviam
de ter visto o Costa Gomes a lavar a loiça ressequida, o Vasco Gonçalves a
varrer o chão emporcado de papéis queimados, o Otelo a fazer a cama a preceito
com lençóis lavados. (…)
O confronto com realidades actuais e com um modo
muito português de reagir às desditas que nos vão acontecendo, não passa
despercebido ao leitor atento.
O que Viriato enuncia, lendo a legenda de um jornal concorrente,bem podia ser dito hoje.
O que Viriato enuncia, lendo a legenda de um jornal concorrente,bem podia ser dito hoje.
Sermos tristes para quê? Os portugueses aprenderam a ser críticos, revolucionários
e, portanto, livres. (…) Mesmo nas coisas sérias, há sempre um momento para a
boa disposição, traduzida no gesto irreverente de cumplicidade popular. A
chorar só se fazem funerais.
Este
texto de prodígios devia fazer parte de algum Plano Nacional de Leitura, para
que a História pudesse ser analisada de outros pontos de vista. Quantas vezes o
que sonhámos construir e o que acabámos por viver, a utopia que nos foi negada
e por quem chorámos, não passou
afinal de uma ópera bufa, onde todos os heróis se tornaram ridículos. Ao fim e
ao cabo, não precisamos de medalhas nem de estátuas no meio das praças. Somos o
que somos – homens e mulheres e as suas circunstâncias – tão ternurentos quanto
grotescos.
Leitura
obrigatória para escolas de um futuro ainda longínquo, aquele em que os jovens de Portugal
aprendam novamente a ler , um prazer para a vida que não se atinge em “resumos”.
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