Apetecia-me falar de burkas. Mas o que é que eu sei de
burkas? Que, ao que parece, não são um traje tradicional.
E cada vez que oiço os
exageros contra as burkas e os burkinis me lembro dos das viúvas como a
avó Leo, das viúvas do Alentejo a que os costumes obrigam a vestir as pernas de
meias de lã para que se não possa vislumbrar nem um milímetro de carne - e a
carne delas é esbranquiçada e cor- de -rosa .
E aos costumes disse nada, diz-me ela , a Gradisca de Vaiamonte, obrigada a dormir
com muitos desde que lhe puseram o carimbo de mulher da vida. E ela, coitada, a
gostar de ser gostada como toda a gente,
a ter de assumir a provocante máscara , no andar balançante no dia da
procissão. A máscara que lhe dava dinheiro e talvez de quando em vez um pouco
de companhia – que, na vida de uma rapariga de 30 ou mais, a solidão é cinzenta
como a sombra das crinas de um cavalo velho, tal qual um dia de Outono no meio
do Verão.
Há mulheres que são
sempre raparigas, mesmo as mães, até as avozinhas quando se juntam a recordar
as Primaveras da vida. Que de risos , que de brilhos nos olhares húmidos de
contentamento menineiro . Sim, já sei que esta construção não é genuína – mas arraçada
de francesa. Por favor deixem-me ser arraçada do que eu quiser. Já o tempo me
escasseia para bons comportamentos, na vida pessoal e nas outras.
Se eu tivesse de usar burka,
como já tive de andar de saias abaixo do joelho – uma
convenção como qualquer outra – agarrada
ao pudor que vai minando o nosso corpo , esquecidos os banhos à beira- mar da primeira infância ; se eu tivesse
sido forçada a me cobrir de burka, mesmo
de cara coberta e borbulhas a crescer na pele da face – que sem andar ao ar puro era o que me aconteceria – que repugnância
sentiria ao levantar os véus. Eles que , para além do símbolo da servidão em cativeiro, me seriam reconhecidos
como a legítima protecção de mim , do meu corpo sagrado e impoluto.
Como é que
a rapariguinha ocidental cristã viveria o momento em que a lei a obrigasse a
mostrar as partes do corpo que não mostra em público?
O que significa a palavra pudor? Não sei. Só sei que o corpo
é meu; e a querer mostrá-lo, mostro-o. Mas sou livre de o guardar para quem
quiser.
Isto é bem difícil de explicar aos meus amigos- com quem
tenho tido discussões acesas – os dress-codes variam de tempo para tempo, de sítio para sítio . Há
lugares onde as mulheres são obrigadas a vestir o que não querem? Sim, até aqui
na nossa terra há limites. Competir-vos-à a vocês, maridos, namorados , irmãos,
amantes, escolher o que nós despimos?
Às
mulheres compete lutar pela liberdade de dispor das suas vidas e seus códigos
de conduta. Por favor, deixem que sejam elas a falar e a decidir a altura certa
para mudar de roupa. É capaz de haver questões bem mais importantes - a partilha
de poderes, por exemplo - na casa, na empresa, na rua… aqui e nas arábias.
O uso da burka imposto coercivamente em alguns países muçulmanos,é,à luz do entendimento dos direitos humanos no Ocidente,uma violação da liberdade das mulheres e um instrumento de opressão e domínio do homem sobre a mulher. Proibir o seu uso às comunidades islâmicas existentes nos países ocidentais, nomeadamente em França, não é mais que defender os direitos e liberdades da mulher muçulmana, obrigada coercivamente a um hábito canónico medieval. É que a essas mulheres não se coloca a possibilidade da opção de usar ou não a burka, usam-na porque a tradição assim as obriga, porque um "dictat" de homens assim preceitua.
ResponderEliminarDo texto- «Há lugares onde as mulheres são obrigadas a vestir o que não querem? Sim, até aqui na nossa terra há limites. Competir-vos-à a vocês, maridos, namorados , irmãos, amantes, escolher o que nós despimos?» Certas proibições não são mais que a expressão de um medo generalizado que convirá a alguns - quem fabricou a lei portuguesa de proibição de monoquini nos idos anos 60-70 ?
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