Sobre O Lustre escreve Clarice Lispector- «eu não o considerava completo,
como uma mãe olha para a filha enorme e diz: vê-se que ainda não pode casar.»
É difícil não sentir uma certa estranheza
quando ouvimos um autor referir-se ao seu livro com saudade, como uma mãe a falar de um filho que
abandona o ventre materno - para pura e simplesmente nascer, ir à sua vida
bem longe da casa materna –. Com o recém-nascido tudo é menos difícil – ele
mantém-se dependente durante muitos anos, numa simbiose de corpos continuamos a
alimentá-lo, damos-lhe leite, colo, até
gestos e palavras para se orientar pelo mundo nós fornecemos. Com os livros não
é bem assim, eles são nossos até à porta da tipografia; a partir daí, seja o
que deus quiser.
Teria Clarice adiado a partida do
livro, teria ela preferido continuar a mudar-lhe as roupinhas, as vírgulas ou a
falta delas, as vogais mais ou menos abertas, protegê-lo das luzes que podem
cegar, ou das chuvas torrenciais?
Isto gostaria eu de poder
entender, caso não tivesse ficado de castigo. De castigo, exactamente, as
palavras do senhor muito simpático da biblioteca- um senhor que podia
perfeitamente ser uma senhora, como eu, mas a única coisa que não poderia, para
já, era gerar um filho da sua barriga- das suas palavras, podem nascer livros,
não bichos. Eu gosto dos senhores que gostariam de ser como as senhoras.
Reforçam a minha auto-estima.
Digam-me lá, como é que vou
acabar de ler as 256 páginas que me faltam, ainda por cima com estas reflexões
cheias de dúvidas?
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