olha, mãe, aqui na terra tudo
bem. os homens continuam a mandar no mundo e as mulheres em casa. espero que
estejas a gostar dessa experiência aí em cima, imagino-te rodeada de anjinhos papudos e oiço as tuas gargalhadas cristalinas se os meninos te acordam de
manhã em voos malandrecos por cima da cama. Mas isso nem sempre acontece, varia
com as fases da lua e há luas em que acordas pensativa, não encontras o juízo de
deus, nem da mãe dele. Os anjos parecem abandonados à sua sorte, pardais
selvagens ao deus dará.
Olha mãe, sim, cada vez há mais
mulheres a ter opinião –como se antes não tivessem – nos partidos , nos governos, mas não voltámos
a ter uma mulher como a Pintasilgo.Mesmo nas empresas, que é onde agora tudo
se decide, muitas trabalham mas poucas determinam seja o que for. E quando toca
a despedimentos, são as mães e as grávidas as mais vulneráveis.
Tinhas razão, foste um belo
exemplo de low profile, toda a gente
pensava que quem mandava era ele. As tuas opiniões sobre a vida ou a polis não ultrapassavam as quatro
paredes da casa ou da cozinha. E sempre muito contida, com aquele quase
encolher de ombros e olhar para dentro – deixa-os pensar que sabem tudo.
Olha, o dia da mãe já nada tem
que ver com a tal senhora da conceição, calha até bastante mal, imediatamente a
seguir às celebrações de Abril e ao Dia do Trabalhador, mas alguma coisa
melhorou em relação às mães – os filhos
adoram-nas, as suas mãezinhas são o melhor do mundo, como dantes, mas eles não
se inibem de o dizer a toda a hora . E eu também não, como vês. Vale mais tarde
que nunca.
Que comentário mais adequado do que o de Eugénio de Andrade neste belo Poema à MÃE:
ResponderEliminarPoema à MãeNo mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
http://youtu.be/NVndAB7gmXY
ResponderEliminarPoema à Mãe - Eugénio de Andrade
Apesar de já ter passado há uns dias, é sempre tempo de ouvir este poema de Almada Negreiros. http://youtu.be/skjShEuqs1o
ResponderEliminarÀs vezes chegamos tarde demais. Obrigada, Anibal, onde quer que estejas.
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