março 03, 2014

e que viva o teatro, histórias de sangue faca e alguidar


  
 
Título qualquer serve, terá observado  Irene Lisboa a um editor.

A  minha memória foi a correr buscar uma história antiga que recupero hoje.   

No tempo em que andei pelos teatros, tive a sorte de trabalhar com uma pessoa, daquelas mesmo à minha medida, o encenador Almeida e Sousa. Uma alma entre o anarco-sindicalismo , o surrealismo, concretismo e mais além, que detesta  técnicas directivas , na encenação, na direcção de actores,  em tudo.  Ele sugere e pede sugestões. O facto é  que leva sempre a água ao seu moinho. Consegue transformar o material que tem à frente-corpos, lixo, trapos velhos, em esculturas daquelas com um brilhozinho nos olhos, numa brincadeira , um jogo, entre a paixão perversa e o jogo da macaca. 
Em tempos preparámos uma cena , como ele diz , em conjunto. Eu estava feliz a fazer de maria josé, que tinha matado a minha  mãe com uma machadinha e era entrevistada num daqueles programas de televisão , que ainda há muito por aí, a puxar ao sentimento e á desgraça.
 A nossa inspiração- Maria, não me mates  que sou tua mãe . O texto,  tínhamos dado cabo dele , diriam os meus amigos   eruditos da zona dos que sacralizam tudo ,  se lá tivessem ido .

A peça foi apresentada nas casas velhas da gandarinha e abria com o Mané de Minotauro  (do Vítor Belém) ao fundo do cemitério interior, que à época ainda continha as ossadas – à vista , deitadinhas nas campas abertas. A minha filha pequena gostou daquilo- olha uma vaca, disse ela ao pai.  Tínhamos uma actriz, muito boa, a Ralina , com uma voz cheia de cor , o Bruno Vilão- que faz tudo bem- até  mudava de roupa dentro de uma banheira velha , o Almeida e Sousa com voz de padre , lá em cima nos andaimes a desinquietar as almas, e o Marco , um tipo com imensa garra que improvisava , se fosse preciso, na cabeça de um tinhoso ( conhecem a expressão? é de Campo de Ourique, aposto).
 Foi ao Marco que eu calhei em sorte na tal cena da Maria José. Adorei. Houve uma noite em que destruímos o texto  e improvisámos quase tudo. Acho que foi na noite desta fotografia (tirada pelo pai do Bruno?), com o Mané por trás de nós cheio de very lights fumacentos.

   Bem ,mas tudo isto a propósito de títulos.  O título da peça, sugerido por mim, lembro-me bem pelo que aconteceu a seguir- histórias de  sangue ,faca e alguidar- e o que é que aconteceu a seguir? Pois bem, depois de vários meses de ensaios, aparece um outro grupo , com outra peça, que anuncia - histórias de sangue  faca e alguidar-  a estrear antes de nós. 
  Coincidência ou não, a  Mandrágora manteve   o título, pois claro.

A partir daí, quando me perguntam o título seja do que for que esteja para sair, a resposta é sempre a mesma- não sei.

mjc

2 comentários:

  1. Estive lá nesse dia, com a menina da "cabeça de vaca" pela mão.Gostei,apesar do surrealismo não ser "a minha praia".Gostei, porque a liberdade do texto,da encenação e do desempenho dos actores,me tocaram no que sei mais importante...ser livre!Essa liberdade,esse estar intelectual ou psíquico,tanto faz,sem convenções condicionantes,sem limite inferior e superior,esse estado mental fluido,de contornos esbatidos,talvez delirante,tal Noronha da Costa,ou ainda mais,Cesariny e Seixas,só no surrealismo,em todas as suas expressões internas e externas,é possível,reconheço eu.

    A propósito,a expressão"na cabeça de um tinhoso",não é de Campo de Ourique,a minha mãe, que era do Algarve,é que a usava muito.

    Mão de vaca

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  2. Foi um bom título, prova disso é a desavergonhada imitação. E são memórias inesquecíveis, as dessa "cena", acho até que me influenciaram um pouco no gosto ou atracção pelas coisas do mafarrico, na adolescência.

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