janeiro 15, 2020

o novo pai de Susana

quarta-feira, 19 de março de 2014


ao meu novo pai 

As efemérides servem para nos lembrarmos de coisas importantes. Há quem argumente que são inúteis porque o Natal é todos os dias, o dia da Mulher também o devia ser, tal como o dia da Árvore e por aí fora. Mas não. Não é todos os dias que nos lembramos da luta pelos direitos das Mulheres, nem de sermos especialmente amigos do próximo, nem de plantar uma árvore. É por isso que estas datas até fazem sentido, para mim. E é por isso que faz todo o sentido celebrar o dia do Pai. 

Comecei o dia a lembrar-me dos meus pais. Sim, tenho dois: um biológico, que esteve comigo até aos 9 anos, e um não-biológico, que me acompanhou daí para a frente. O meu pai biológico mudou-me as fraldas, aturou-me choros, acompanhou-me durante meses de internamento no hospital, quando tive de ser operada. Ensinou-me o que é ser criança, o que é o amor entre um casal (a sua versão disso), o que é importante num ser humano e aquilo que eu devia aspirar a ser. Ensinou-me as primeiras palavras, gravava a minha voz de bebé em K7 (a dizer "lula" em vez de "lua" por exemplo) enquanto apontava nos livros as coisas deste Mundo. Ele dizia e eu repetia. A lua, os mamíferos, os astros, os insectos. Com o meu pai biológico convenci-me de que queria ser veterinária, bióloga ou seguir uma carreira qualquer na área das ciências. Devo-lhe a vida, os olhos castanhos, o nariz empinado... e uma nuvem melancólica que me acompanha, e de que eu até gosto.

Depois surgiu o meu pai não-biológico. Inicialmente foi mal recebido, com gafanhotos na sopa e picos de roseira postos à socapa dentro dos sapatos. Mas depois começou a ensinar-me coisas. Ensinou-me o que é o verdadeiro amor entre um casal (e a sua versão disso é tão melhor do que a que eu conhecia). Ensinou-me História, Filosofia, Política, Arte, Ética. Ensinou-me, ó criatura de deus, a ter princípios, a manter a coluna vertebral direita e odepois a não deixar que me ponham a pata em cima. Ensinou-me aquilo que é importante num ser humano e aquilo a que eu podia aspirar a ser. De repente, resolvi ser jornalista. 

Não gravou vídeos com a câmara de filmar, em que eu andava, macambúzia, às voltas num ringue de patinagem. Não gravou a minha voz num leitor de K7. Mas juntos palmilhámos as ruas de Dublin parecias um gafanhoto, tão magrinha que eras, os dois ainda quase desconhecidos, a tornarmo-nos amigos. E todas as fotos que me tirou foram sorridentes.  

Ao meu pai não-biológico devo tudo o que tenho de bom. Pragmatismo, determinação, coragem. Foi uma presença firme, calma e positiva na minha vida. Por isso, neste dia e nesta altura em que se discute a coadopção e a importância da "família tradicional", é importante para mim dizer, ainda que seja num post altamente pessoal e lamechas, que a verdadeira família não é aquela que nos concebe - é a que nos acompanha e acarinha, seja do nosso sangue ou não. A maioria dos meus familiares são estranhos para mim. O meu novo pai não. Foi das melhores coisas que me aconteceu na vida. Conheço-o e ele conhece-me. E gostamos imenso um do outro. 

1 comentário:

  1. O mais importante é o amor quentinho que nos envolve no seio familiar. A frigidez hoje em dia perdura.Mas espero que um dia. O sol volte a brilhar na sua plenitude e que felicidade toque sempre à sua porta.Um bem haja pelos seus "Papás".
    Muita luz e gratidão no coração.

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