Lá estava ele, o ciumento, o senhor
da biblioteca, esperando por Clarice . E a mim a custar-me ter de a lá deixar,
entre os ácaros- antes a tal barata, Clarice.
Valeu a pena ter pecado, ter ficado
de castigo, ter adormecido perto dela todo este tempo.
– No Congresso pretendo mais ouvir que falar. – Disse ela. Em Bogotá limitou-se a ler esta pequena introdução.
«Eu tenho pouco a dizer sobre magia.
Na verdade eu acho que o nosso contacto com o sobrenatural
deve ser feito em silêncio e numa profunda meditação solitária. A inspiração,
em todas as formas de arte, tem um toque de magia porque a criação é uma coisa
perfeitamente inexplicável. Ninguém sabe nada a respeito dela.
Não creio que a inspiração venha de fora para dentro, de
forças sobrenaturais. Suponho que ela emerge do mais profundo do “ eu” de uma pessoa,
do mais profundo inconsciente individual, colectivo e cósmico.
Mas também é verdade que tudo o que em vida é chamado por nós
de “natural” é na verdade tão inexplicável como se fosse sobrenatural.
Acontece que tudo o que eu tenho a dar a vocês todos é apenas
minha literatura. E alguém vai ler agora em espanhol um texto que escrevi, uma
espécie de conto chamado “O ovo e a galinha”, que é misterioso mesmo para mim e
tem uma simbologia secreta. Eu peço a vocês para não ouvirem só com o
raciocínio porque, se vocês tentarem apenas raciocinar, tudo o que vai ser dito
escapará ao entendimento. Se uma dúzia de ouvintes sentir o meu texto, já me
darei por satisfeita.»
Clarice Lispector, in
Moser.
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