Diz-me lá
o que é que pensas disto. Um pedido compreensível entre amigos e familiares de
autores que no meio de páginas solitárias vão despejando as suas histórias.
É isto
que Brad Leithauser desenvolve num artigo bem-humorado da New Yorker.
Quando alguém se decide escrever começa por se convencer de que encontrou
finalmente uma forma de expressão criativa, excitante e individual. Só que de individual
tem muito pouco.
Imagino eu que um autor possa estar sempre
rodeado de imensa gente. Dorme e acorda com as personagens que chegam a
impedi-lo de dar este ou aquele rumo à sua história. Em lugares públicos, se
por exemplo se passeia à beira-mar, não consegue resistir a observar as pessoas,
os outros, que virão a enriquecer, mal sabem eles, determinada personagem – a escolha
de uma ou outra atitude, a descrição de lugares que ela terá visitado, ou por onde
andará num futuro do tempo da narrativa. Para além desta gente de brincar, existem as pessoas a sério,
aquelas que o autor começa a imaginar que são bem capazes de vir a ler a
história que ele inventa.
O leitor está sempre presente? Não existe
mensagem sem receptor? Sem receptor fora do autor da mensagem? Há quem diga que
não, a vida não ser um solilóquio, nunca nada nesta vida existir sem o seu
reflexo – l’autre, era assim que o nomeávamos no tempo em que a
filosofia em francês estava na moda.
Essa a razão pela qual, segundo Brad Leithauser, aquele que escreve um romance acaba por pertencer
a uma rede.
Por vezes uma intrincada teia de múltiplas variáveis a que
todos são aconselhados a não resistir.
Se não
fores tu, com quem é que posso contar
para uma opinião avisada e sincera. Tu, meu
aluno na faculdade, com quem já tantas impressões sobre literatura, tantas
obras foram trocadas, tu que já
leste tanto, que até estás ligado ao mundo da escrita por uma ou várias razões –
o teu pai é um escritor conhecido, a tua tia trabalha numa editora, a filha é
professora de escrita criativa, o neto é jornalista.
E a desgraçada vítima acaba por aceder Ok, venha lá esse livro. The deeper the friendship the harder you may find it. E quando uma vozinha interior lhe segreda ao ouvido
– e se eu detestar o que ele escreveu,
é demasiado tarde.
É mesmo
divertida a forma como Brad Leithauser descreve as diversas reacções deste
leitor- cobaia.
Aqui em casa já sacrifiquei algumas pessoas a
leituras e opiniões sobre o que escrevi.
Desde que a minha filha me confessou o
incómodo de ler certas passagens em que a autora se afastava da mãe,
provavelmente a sua santa mãe, inodora e incolor, como as idealizamos em
criança, faço os possíveis por a poupar a isso. Concluí que as opiniões mais
isentas são as de "os nem muito longe nem muito perto", ou dos "quanto mais
longe melhor”; por exemplo, um técnico de tomografia, desapaixonadamente longe
de nós, cuja verdade pode ajudar, quer estejamos doentes, ou não.
Até porque, no caso de o diagnóstico não ser
favorável, podes sempre recorrer a conselhos de outros técnicos, como os de Brad Leithauser.
* (adaptação e tradução livre em
itálico).
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