dezembro 02, 2012

o valor da arte




o meu almada negreiros não é um almada negreiros, mas gosto dele na mesma. do vulto feminino que vem da água, das elevações vulcânicas que se elevam do lado direito da paisagem, dois montículos que também podem ser muito femininos, se eu quiser. o almada podia estar a pensar em van gogh quando preencheu o azul do mar e a areia com linhas ondulantes e sombrias. e podia ter-se lembrado do picasso quando decidiu dividir a menina em pedaços que até podem não ser cubistas, mas de volumes redondos, como compete a uma menina. a menina que sai da água podia ser a mesma a quem vergílio ferreira perguntou se vinha do fundo do mar.

Bem me quer parecer que o meu gosto nada tem que ver com o preço do quadro ou com o que qualquer crítico viesse aqui dizer-me sobre ele. e esta pintura não a venderia a nenhum marchand por preço nenhum.

Mas só eu é que sei porque gosto do meu Almada Negreiros, que não é um Almada, nem assinado está.  

Só um sujeito individual, que não é igual a nenhum outro, interpreta a obra de arte, atribui um significado ao que vê, ouve, lê, numa escultura ou pintura, numa melodia, num texto.

Claro que os indivíduos que se dedicam a criar objectos de arte devem ter direito a viver , a não ter de andar a pedir pelas portas dos lobistas ou dos Kapellmeisters. Aquilo que eles nos dão, pedaços de si próprios é difícil de avaliar. 

A partir do momento em que a arte  se transforma em objecto de consumo há que convencer um público cada vez mais vasto a comprar. E vale tudo. E todos somos coagidos a gostar do que nem por isso gostaríamos, raramente somos capazes de reclamar que o rei vai nú, sobretudo se esse rei aparece com a chancela do muito entendido, caso de alguns fazedores de gosto.

Todo este arrazoado a propósito de uma saudável discussão aqui, ainda para mais agora, que andamos às aranhas por chamberry, a atribuir qualidades ou defeitos a um primeiro romance.

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