o meu almada negreiros não é um almada negreiros, mas gosto dele na mesma. do vulto
feminino que vem da água, das elevações vulcânicas que se elevam do lado direito
da paisagem, dois montículos que também podem ser muito femininos, se eu quiser.
o almada podia estar a pensar em van gogh quando preencheu o azul do mar e a
areia com linhas ondulantes e sombrias. e podia ter-se lembrado do picasso
quando decidiu dividir a menina em pedaços que até podem não ser cubistas, mas
de volumes redondos, como compete a uma menina. a menina que sai da água podia
ser a mesma a quem vergílio ferreira perguntou se vinha do fundo do mar.
Bem
me quer parecer que o meu gosto nada tem que ver com o preço do quadro ou com o
que qualquer crítico viesse aqui dizer-me sobre ele. e esta pintura não a
venderia a nenhum marchand por preço
nenhum.
Mas
só eu é que sei porque gosto do meu Almada Negreiros, que não é um Almada, nem
assinado está.
Só
um sujeito individual, que não é igual a nenhum outro, interpreta a obra de
arte, atribui um significado ao que vê, ouve, lê, numa escultura ou pintura, numa
melodia, num texto.
Claro
que os indivíduos que se dedicam a criar objectos de arte devem ter direito a
viver , a não ter de andar a pedir pelas portas dos lobistas ou dos Kapellmeisters. Aquilo que eles nos dão,
pedaços de si próprios é difícil de avaliar.
A
partir do momento em que a arte se transforma em objecto de consumo há que convencer
um público cada vez mais vasto a comprar. E vale tudo. E todos somos coagidos a
gostar do que nem por isso gostaríamos, raramente somos capazes de reclamar que
o rei vai nú, sobretudo se esse rei
aparece com a chancela do muito entendido,
caso de alguns fazedores de gosto.
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