novembro 29, 2010

feiras, sándor márai e jackie k.seo


jackie k.seo


Nós, os ricos acalmamos o nosso remorso em feiras de solidariedades. Vivemos do lado do mundo sem fome, vá de participar em movimentos pró terceiro - mundistas; a nossa família é daquelas em que ainda ninguém foi atingido pelo desemprego, lá vamos nós ao supermercado mais próximo encher um saquinho de plástico para o banco alimentar. Batem-nos à porta e dizem-nos que estão desempregados, alijamos a nossa responsabilidade no assunto, nuns trocos que temos no porta-moedas.

Conheci um casal de velhos reformados, do Barreiro, que percorria a baixa de Lisboa. Ajaezados de sacos de fruta colhida no quintal dispensavam as elogiadas laranjas a clientes habituais - proprietárias de conceituados estabelecimentos da baixa, desde farmácias a retrosarias. E a senhora das laranjas que, abordada por uma voluntária da liga portuguesa contra o cancro, respondera com muito prazer, contribuo com muito prazer. Também por um sentimento se esgotam no Continente os produtos sugeridos pelo banco alimentar ou nas estações de comboio a revista Cais.
Esta é a ditosa pátria minha amada, frase que tinha na gaveta para o Filme do Desassossego, mas que serve também para o último fim-de-semana em que diferentes feiras das vaidades se reuniram na antiga FIL- a da Solidariedade, compre ajudando quem precisa, marcas de marca e A Feira Internacional de Arte Contemporânea, a das galerias de arte, em que mais uma vez me encontrei com todas as contradições. Entre os amantes de arte e aqueles para quem a mesma não passa de uma moeda de troca, um sinal exterior de riqueza, do género “ a minha vieira da silva é melhor que a tua”, lamento os que não conseguem desistir de ser artistas e se sujeitam aos padrinhos do costume.
Senti-me bem na galeria 2heads chicken, até parecia que estava ali ao lado o Sandór Márai a explicar-me que a cultura é um acto reflexo e o que era a arte na grécia antiga – que os gregos eram cultos, porque todo o povo se alegrava… (…) a cultura é quando uma pessoa… ou um povo… se enchem de uma alegria enorme! *.

Na galinha de duas cabeças embarquei numa viagem de Gulliver e brincavam comigo desconstruindo até as proporções.
Uma escultura de uma mulher negra, duas vezes maior que nós, assustadora no seu olhar de matriarca (Jamie Salmon), perto de uma velhinha oriental do tamanho de uma criança de um ano (Jackie K. Seo). Tudo isto tão hiperrealista quanto surreal.

Gostei sobretudo do comentário da garotinha na galeria – mãe olha esta senhora tão pequenina.

No tempo das grandes raivas até éramos capazes de responder a qualquer andrajoso descalço – vai pedir ao Salazar. Crueldades? Radicalismos gratuitos? Não tínhamos ainda vivido.
*A mulher certa

3 comentários:

  1. Arte e Ética. A solidariedade anda na bocade todos e tens toda a razão, com um kilo de arroz aliviamos a consciência, mas que se pode fazer? dar a quem pede. cést tout.bjo

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  2. antes de mais obrigado pela visita ao meu blog ,agora devo dizer que cada vez mais a solidariedade passa pelos que menos teem mas que mesmo assim ainda contribuem pois os ricos só dão se estiver alguem a filmar para o telejornal ou um desses programas sencacionalistas da tv .
    bjs

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  3. Há alturas em que intelectualidades hiperbólicas têm que ser adiadas para dias com mais sol e o gesto,a acção directa,a concretização no momento, se impõem sem mais conversas.Isto a respeito do fazer,do dar,do tratar do parceiro do lado,que está à rasca e que nós podemos desenrascar.

    Hiperbólico

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