outubro 19, 2009

Subindo

Sobe a rua do alecrim e entra no chiado. Os Armazéns do Chiado são agora um moderno centro comercial. Por polidos corredores deslizam sombras de balcões antigos, peças de pano penduradas de escaparates, do tempo em que se comprava o tecido para mandar fazer na modista, à maneira de O Último Figurino. Manequins de cartão vestidos do azul acinzentado, de montras de leste que já não é leste, convidam-nos a atravessar portas emolduradas por baixos-relevos arte nova. Na escada rolante, espectros de caixeirinhas silenciosas cruzam-se com senhoras de luvas e batons vibrantes, guardados em redes de minúsculos chapéus.
O toilette, a antecâmara, a empregada de sempre, bata preta e avental oferece a toalha para as mãos, de linho branco, o pires de prata, onde se deixa qualquer coisa. Hoje teríamos vergonha de utilizar expressões deste tipo, sentimo-nos contrafeitos quando temos que dar uma gratificação. A tal situação embaraçosa.
Para mim continua a ser vergonhoso deixar essa espécie de esmola, esse meio suborno, que alguns utilizam de forma escandalosa, para serem bem tratados, respeitados, que há gente que se diminui perante quem tem dinheiro. E falta-me muitas vezes a coragem para bater o pé. Tenho sempre muitas dúvidas, diria até que a dúvida é a minha profissão, ou que faço profissão de fé da dúvida. Mas adiante, estão a ver como a malvada, a dúvida, é claro, se entranha no discurso e só empanca?

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