Mo Yan significa “não fales ”, pseudónimo escolhido por ter sido aconselhado na infância a não exprimir as suas opiniões em público.
As minhas memórias carregam o meu “eu” daquela época, um rapaz solitário que foi expulso da escola mas que se sentiu atraído pelo alarido que chegava do recreio.
E é o rapaz daquela época que começa por nos contar as Mudanças determinantes da sua vida na República Popular da China durante a Revolução Cultural. Mais adulto relata o reencontro com He Zhiwu com quem partilha a paixão pelo Gaz 51 , um velho camião soviético , e pela colega de escola Lu Wenli.
– Há tanta coisa que gostaria de te contar, coisas que vão espicaçar-te a imaginação e ajudar-te a escrever um romance dos diabos, promete He Zhiwu.
O tal romance dos diabos,considerado autobiográfico (não gosto desta classificação, um dia talvez explique porquê) é frequentado por personagens - Lu Wenli, Bocarra Liu, o pai de Lu Wenli e o Gaz 51 ( que lá por ser fantástico não deixa de ter direito à vida). Seres que se movem numa trama de admirações e desejos. De entre eles
elegeria o Gaz 51 como a personagem principal.
Nunca tinha lido nada que me
tivesse feito sentir o que quer que fosse por um camião. Nunca imaginei
escolher acreditar que o Gaz 51 pudesse ter sentimentos e vontades. Contudo Mo
Yan neste registo meigo, de pinceladas de um grotesco infantil, hiper
simples, tem o condão de nos pôr a seu
lado.
Terá esta aparente simplicidade - que muito poucos conseguem e que alberga em si toda a densidade das nada simples,antes pelo contrário , das profundíssimas verdades da vida - sido relevante para a atribuição
do Nobel?
E o que é que um miúdo chinês nascido nos
anos cinquenta tem a ver connosco? Interrogamo-nos. Tudo. E
continuamos a sorrir depois da última
página.
Graças à Divina Comédia, ed. e à querida Su que me ofereceu estes sorrisos no natal.
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