No entanto dava-me jeito o Trinkgeld que arrecadava a servir à mesa. No dia seguinte estava garantido o almoço em quiosque de rua, uma espécie de filete frito ou as inefáveis salsichas e, excepcionalmente, bolas de Berlim. Esqueci o nome dos meus benfeitores, camionistas, bebedores de cerveja, poucos estudantes. Mas quem nunca vou esquecer é aquele homem de óculos pesados, de aros pretos que entrava para jogar flippers, bebia uma cerveja e nunca saía sem me deixar uma moeda de prata, seria um marco? Nunca me dirigiu mais do que bom dia, boa tarde, Guten Tag, Maria, mas contava que ele aparecesse. Era uma espécie de anjo protector, alguém que eu achava que se apresentava para se certificar de que nenhum mal me aconteceria, um senhor muito importante, Maria, segredavam-me ao balcão, Lach mal, Maria, lach mal, e eu ria. Seria em troca da gorjeta?
Almoço uma salada com vista para o castelo, como se as ruas lá em baixo pudessem ser uns rios, que eu não as vejo, só o casario pombalino, a subir, devagar, a encosta. Passo pelas livrarias, deambulo pela Fnac e não resisto a esquadrinhar a Sá da Costa. Por um euro e meio trago para casa o Basil Davidson em português, Cadernos Livres, nº 4, edição de Janeiro de 74, Os Camponeses Africanos e a Revolução. Arrepiantes, as opiniões de Marcelo Caetano sobre África e os africanos. Um passeio à maneira de Jorge Silva Melo que me acompanha por estes dias n' O Século Passado, Livros Cotovia.
Frente à Brasileira sigo pela António Maria Cardoso (não sei se se chama agora, rua dos mortos pela pide) esteticamente mais apetecível do que descer a Rua do Alecrim.
Entro, para um café, no Spot, café-restaurante do S. Luís onde além de ouvir boa música, se pode fumar. Nunca lá tinha ido, sou mesmo bimba, sento-me num grande sofá azul. À minha frente, um casal, não propriamente um casal, ela jovem, bonita, eficiente, podia até ser a secretária do teatro, figurinista, ele, de fato preto e camisa branca, poucos cabelos brancos, classy, conversam. E vira-se ela à saída “ era só para o Jorge ficar a saber”.
Será isto a close reading de que fala Jorge Silva Melo? Mas, tão close?
E tropeço na citação de Simone Weil que antecede o Prefácio de Século Passado, de JSM: a nossa vida real é, em mais de três quartos, composta de imaginação e de ficção.
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