setembro 21, 2013

Que Importa a Fúria do Mar, Ana Margarida de Carvalho





Ler com o coração, ler com a inteligência e a memória. Há livros em que apetece mergulhar nas turbulentas águas das vidas, ainda mais furiosas que as dos oceanos, daí, quem sabe, este título - Que Importa a Fúria do Mar. Ler este romance é submergir, ficar sem respiração por muitas páginas de frases em que a palavra é entalhada a escopro e a martelo, frases que sustentam esta construção de granito, de lamas e areias movediças, de sangue, de som e de fúria. Sim, de som e de fúria, ouviram bem, as palavras de Shakespeare que Faulkner roubou – roubou não, usou, que elas ficaram no mesmo sítio,  cantadas  por toda a parte. Mas isto é outra questão.


Há leitores que lêm civilizadamente e há quem prefira ler selvaticamente, não dar demasiada importância a referências culturais, citações e epígrafes, sobretudo quando se lhes apresenta uma escrita de valores mais altos.
  Ana Margarida de Carvalho refere Pollock, logo no início, creio. E o leitor adapta-se a esta sugestão. Em Ana Margarida  interessa-me a crueza, a crueldade, a selvajaria incorporada na ternura do universo.


Não, não “é tudo igual ao litro”, nem a reportagem de Eugénia (pág. 227), nem “o bailado das aves” e “os pássaros sem olhos”, nem o guarda Cabaço, nem a Marinha Grande, nem Torres Vedras. Aqui,  no Tarrafal, onde “ o melhor momento do dia é o  ir despejar os dejectos ” quem lê  sente o corpo a doer.
E o “jet-lag crónico, incurável “ que acompanha esta ” indiferença sonolenta” dos nossos dias aparece no mesmo plano de “ os guardas também estavam presos àquele tempo sem tempo, com as pernas entorpecidas naquele lugar que não lhes pertencia(...)” (pág. 222).


Este romance não é um panfleto, é sobre os labirintos interrogativos do ser.


Tanto tempo, tantos anos de silêncio, é hora de acabar com isto, de darmos estas histórias a ler aos nossos filhos, pode ser que eles percebam do que se livraram, ou se interroguem sobre o que lá vem. 

 E ainda que não seja por isso, não podem perder esta autora,a quem me apetecia chamar- Margarida Fúria.

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