É uma manta. Uma manta de cores sombrias que guardamos na gaveta das preciosidades herdadas das nossas mães e avós. Manta de fios entretecidos de dor e solidão, abuso, velhice e inocência.
Nos dias que sucedem às noites, num tempo esbatido, movem-se figuras de rosto indefinido, como a boneca de trapos.
E é este ritmo que confere ao conto uma dimensão arcaica, juntamente com os seus temas eternos. São poucos os sinais que nos permitem determinar os nossos dias como o cenário temporal da narração. Sem eles, de que século se tratará?
O nervosismo, a aceleração e a dramatização dos tempos modernos não chegam a estas paisagens.
São igualmente ténues os sinais para uma localização concreta no espaço. Embora se reconheça o Portugal rural de sempre, ele aparece pintado ao de leve, com poucas pinceladas, quase esboçado.
A ausência do espaço e do tempo caracterizam o mito. Assim reconhecemos aquilo que está a ser contado como parte de nós, parte da nossa herança cultural. Precisamos que nos contem este conto uma e outra vez. Até que a solidão já não seja associada à velhice, nem a inocência ao abuso, nem a dor ao abandono.
Elisabeth Bammel
by susana fernandes
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