junho 27, 2011

mir

Mir acorda no seu canto habitual. Só tem coragem de abrir um olho de cada vez. Tudo lhe aborrece na realidade. Torna a fechar os olhos com força. Seomara não voltara a casa na noite anterior. Nem telefonara. Ele às voltas pelo apartamento rosnando sofrimentos e abatimentos pelos cantos. Deitava-se no sofá, logo se levantava, agitado até à cozinha. Aproxima-se da porta da rua. Está sempre a ouvir alguém que chega, mas ninguém mete a chave à porta. Novamente até à cozinha. Olha pela janela. Nada. Atento. O barulho do elevador. Estaca. Não resiste a farejar até à porta. Mulheres, pensa. Não sabem estar bem. Sempre a inventar desculpas para uma briga. Não se consegue ter paz. O que teria ele feito desta vez? Desaparecera por cinco minutos, cinco minutos à conversa com a vizinha do 1º andar. Encontrara-a na padaria, uma insignificância. Tinha demorado um pouco mais que o habitual, mas o pão ainda estava quente ao chegar a casa. Mir vai até à casa de banho, olha insistentemente o bidé. Tem sede. Segue para a cozinha. Abafava-se nesta casa. Pensa em abrir a janela. Onde andaria ela? Nem voltara a casa para jantar. E ele à espera. O que é que te apetece, Mir? Nada. Teria de vasculhar qualquer coisa na cozinha, ela não aparecia para lhe dar de comer. Sente-se encarcerado. Vai até à varanda, e espreita cá para baixo. Um animal enjaulado, é o que ele é. Enjaulado num 6º andar. Nunca devia ter saído da casa térrea onde vivera com os pais. Não resistira ao olhar aveludado de Seomara, à sua voz doce e contida, à sua pele branca e leitosa, macia como uma queijadinha de Carcavelos, a saber a limão.

Mir deixa escapar uma lágrima persistente. Não mais as alegres manhãs em que a perseguia pela casa, em corridas e escorregadelas pelo chão envernizado. Não mais preso da imagem dela a pentear-se, a lavar os dentes antes de sair para o trabalho, ela a abrir a torneira do bidé aonde ele se apoia com as duas patitas da frente para beber água. Que sede que ele tem.


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