fevereiro 20, 2011

conversa de café

Será Fernando Pessoa menino ou menina? Lá está ela a desatinar, pensa a minha  amiga, com tudo tão aparentemente arrumadinho dentro dela, de certeza que acaba de me incluir no role dos malucos. E depois, isso incomoda? Claro que sim, saber que haverá sempre gente com a qual estaremos barricados por defesas bem visíveis de palavras,  noutra onda. E isto é difícil, o não ser consensual, assumir uma espécie de mau comportamento que nos coloca à beira da rejeição.

  Há quem pense a escrita masculina ou feminina, outros que não, e os que, por mais certezas que tenham nunca têm a certeza de nada, como Camus.E uma escrita gay? E uma trans e outra bi ? Pois, alguns põem em causa o sexo das almas. E do ponto de vista de quem escreve ou dos que os lêem? Oi, você, aí! Explica-me o rapaz da flauta azul, Existe uma escrita de homem de um lado, e uma de mulher do outro, como naqueles westerns em que no fim ela casa com o cavalo. Linda, esta imagem, agradeço o contraponto. – A escrita feminina é mais romântica, acrescenta delicodocemente a tal amiga. Mas os homens também são românticos! Defende-se outro.

Acabo a descobrir mais um trauma de infância, fica sempre bem. Frequentadora de bibliotecas desde cedo, que era o sítio aonde encontrava o que buscava, montes de livros, detestava aquelas marcas tão levadas à letra: volumes de auto-colante vermelho na lombada, para adultos; azul, para a biblioteca dos rapazes, (livros de aventuras, corsários, espadachins, que fiquei a odiar já que não podia lê-los, quanto mais amá-los) e os outros (  seriam cor-de-rosa (?) abençoada biblioteca), Condessas de Ségur, Brigittes, Mulherzinhas, Luisa Alcots, que devorei.
É que eu vivia logo ali, na rua da biblioteca das Furnas, e queriam vedar-me territórios na minha própria rua, aonde livremente jogava ao mata e andava de bicicleta, aonde me apaixonei pela primeira vez e fui à missa pela última. Ah, a longa noite do nosso descontentamento  tinha coisas deliciosas.

Mas voltando à vaca fria, que é como quem diz a Fernando Pessoa, gostaria de pôr à votação: é pró menino ou prá menina? E isso faz dele um escritor masculino? Feminino? A alma dele, as almas que o habitam? Cá por mim, não consigo dividi-lo.

Para dissipar possíveis dúvidas  aqui fica um curto sublinhado. Pessoa por ele próprio, na Carta de Fernando Pessoa para Adolfo Casais Monteiro .

Sou, de facto, um nacionalista místico, um sebastianista racional. Mas sou, à parte isso, e até em contradição com isso, muitas outras cousas.(…) Referi-me, como viu, ao Fernando Pessoa só. Não penso nada do Caeiro, do Ricardo Reis ou do Álvaro de Campos. (…) E contudo – penso-o com tristeza – pus no Caeiro todo o meu poder de despersonalização dramática, pus em Ricardo Reis toda a minha disciplina mental, vestida da música que lhe é própria, pus em Álvaro de Campos toda a emoção que não dou nem a mim nem à vida. Pensar, meu querido Casais Monteiro, que todos estes têm que ser, na prática da publicação, preteridos pelo Fernando Pessoa, impuro e simples!

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2 comentários:

  1. olha, adorei o texto aquele devaneio da procura, penso, no entanto, que a boa escrita tem sexo, não explícito claro e também, porque não...mas faz-se a a partir de uma qualquer experiência passada, presente, futura, consciente ou inconsciente da sexualidade, assim sendo, o modo como esta é vivida, passa para o discurso, marca-o. nesse sentido,como não podemos mandar os estereotipos culturais às urtigas porque eles, quer queiramos ou não estão dentro de nós, há uma escrita feminina e outra masculina, uma gay e uma transexual. tenho dito. e dou-te daqui um beijo

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  2. Gostei!A escrita é a ESCRITA,ponto,sem género nem tendências sexuais.Reflecte,é claro,experiências passadas,presentes e,porque não,projecções futuras.Isso de arrumar o mundo em categorias,não é comigo!

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