janeiro 03, 2016

à margem

Eugénio Lisboa , Os clássicos são um descanso.


Foi com grande júbilo que deparei  com estas palavras de Eugénio Lisboa .


 "O velho avô e o neto”  ocupa apenas três quartos de uma página (e mais uma “Nota” de página e meia). É curtíssimo, mas um forte teor de sabedoria fecunda pode acolher-se em modesto espaço... A diarreia verbal quase nunca é o melhor veículo."

No continho em questão, fala-se de “um homem muito, muito velho que ficou com os olhos turvos e os ouvidos surdos e os joelhos tremelicantes.” Dou a palavra aos Irmãos Grimm, para não estar a fazer paráfrases desnecessárias:

 “Quando estava sentado à mesa, mal conseguia segurar a colher e espalhava a sopa na toalha e deixava-a cair da boca. O filho e a nora tinham nojo dele e assim o velho avô acabou por ter de se sentar num canto atrás do fogão, e eles davam-lhe a comida numa tigelinha de barro e nem sequer a enchiam. E ele olhava tristemente para a mesa e vinham-lhe lágrimas aos olhos. Uma vez, as suas mãos tremelicantes não conseguiram segurar na tigelinha e ela caíu ao chão e partiu-se. A jovem mulher admoestou-o, mas ele não disse nada e apenas suspirou. Ela comprou-lhe então uma tigelinha de madeira por dois tostões e era dela que ele tinha que comer. Estando ali sentados, o pequeno neto começou a reunir uns pedacinhos de madeira do chão. «O que estás a fazer?», perguntou-lhe o pai. «Estou a fazer uma tigelita», respondeu o filho, «para dar de comer ao pai e à mãe quando for crescido». O homem e a mulher entreolharam-se por um momento e depois desataram a chorar.



 Não existe unanimidade no que se refere à  relação extensão / qualidade na obra de arte, nem sequer  quando falamos dos clássicos.  Somos levados a crer que a super-estrutura cultural vigente coloca os artistas não-alinhados  numa espécie de limbo, censurados ora  pela moral, ora  pela religião , em suma,  pelos diversos poderes. Aos poderosos interessa manter esse mesmo poder  –  económico, cultural, estrutural. Se por acaso ou mérito próprio algum passa da margem à fase seguinte e , abertas as portas de todos os mercados assiste à  aceitação da sua produção artística ,  comete, não raras vezes, o pecado de se auto-limitar e reproduzir o modelo esperado – entrincheira-se numa elite confortável e madura , prestes a cair de podre"

De entre os outsiders, só muito poucos ficarão na História, serão os clássicos de amanhã. Conheço alguns. Mas a História é um lugar inóspito para se viver.

 Quanto aos clássicos, estão todos mortos, e vocês, os que hoje na margem  brincam com as cores, as formas, jogam com as palavras e os sons, dançam, actuam e performam, vocês estão vivinhos da silva.


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