Alguém
repetia a frase de Oliveira- não percebi
mas gostei. Correndo o risco de ser considerada presunçosa ou de ter a mania, disse que tinha percebido e
tinha gostado. Tive a sorte de ter frequentado uma escola em que se encontravam os tipos do cinema,com
a malta do teatro. Os tipos do cinema
eram seres mais ou menos macambúzios, embebidos em silêncios perturbadores,
observadores. Os do teatro, uns espalha -brasas, perto de quem quase não havia
sossego.
Agora
percebo o que os leva a estar tão caladinhos, aos do cinema, eles vêem. Estão
sempre a olhar, observam. Deve ter sido isto que conseguiu fazer João Viana para
contar a história do soldado que existiu do lado errado da História, o pai de
uma filha cuja mãe teve de a ir fazer a
outro homem, mas nem por isso menos pai e ela menos filha, é a ele que ela
escolhe para ir dar a sua mão em casamento.
África
não precisa de ser olhada como um lugar exótico. África pode ser o lugar onde
se tem todo o tempo do mundo, onde se sabe que por mais que se corra se chega sempre
aonde se tem de chegar, ao fim. E quando se olha a vida nesta perspectiva, a
vida e a morte, não quer dizer que nada valha a pena, o que se diz é que o que vale
a pena, é o que importa. O tempo passa na mesma, não precisas de correr.O teu
pai é quem cuida de ti, não o certo e seguro cromossoma. Para quem nada tem e
ao mesmo tempo tem o mundo inteiro, a questão da transmissão da propriedade não
deve fazer diferença. Ao ritmo que se quiser, ela será transmitida, está lá – a
terra, os rios, o peixe.
Que África
tinha tudo a ver com esta forma de estar, eu já sabia. Que o nosso mundo, muito
civilizado se tornou no oposto disto, eu já sabia. Mas nunca ninguém mo tinha
dito desta forma tão silenciosa e bela, nunca ninguém tinha “perdido tanto
tempo” comigo, a querer mostrar-me, por exemplo, aquela imagem das escadas do
pequeno cais, os barcos vistos cá de cima - eles dão um nome a estes planos,
será picado, não interessa - eu sou só uma pessoa a ver um filme; e estava mesmo
a precisar destas imagens, deste tempo, desta música, deste humor melancólico,
destes contrastes de se viver à fome em sítios em que se inventou a agricultura
há 4000 anos enquanto se fazia a guerra noutros lados. Precisava de tornar a
ouvir que os homens são mesmo crianças, (como
na conversa entre esta mãe e esta filha),
gostam de construir brinquedos, não vivem sem brinquedos, fabricam-nos e transportam-nos
para todo o lado, brinquedos de música e de guerra.
Caso
queiram saber mais sobre este jovem realizador e este filme, um link anterior
ao prémio da Berlinale.
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