Assim
como há quem diga que quando se morre não se vai logo para a morte, ponho-me
para aqui a imaginar quais terão sido os sítios por onde andámos antes de
sabermos que existíamos.
Só a
partir do momento em que nos lembramos dela é que podemos dizer quando começa a
nossa infância. Aquilo que não recordamos não existe. Por isso é tão
significativo o que a nossa memória retém desse período – a surpresa, a verdade
dos sentidos, a liberdade do olhar.
Pareceu-me
que este romance tinha que ver com estas sensações. Lembro-me de uma impressão
semelhante me ter ficado de uma outra história, que como esta, resolvi
partilhar com gente de quem gostava – Panait Istrati, Os Cardos de Baragan, que redescubro num esforço googlíco de memória.
Ora,
ao ler Trás- os-Montes, é essa
sensação que me prende, a mesma de quando li Panait Istrati, num tempo em que
nem sabia onde ficava a Roménia. De ambos me ficam as infâncias de sítios fechados,
lugares que ninguém conhece, lugares que imagino no meio de montes e por detrás
de muros que se abrem para mundos brilhantes, por caminhos de infâncias à beira
da terra, de segredos que se escondem dentro dela e nos ensinam a viver.
A crueldade infantil, a caça aos pássaros, a vergonha do corpo da mãe de Teodoro, as regras estritas de costumes
em que os irmãos controlam as irmãs, o seu bom nome. As missas, as raparigas
mais velhas com os cestos de ofertório em
roupas de cabaré, o pecado, as revistas com mulheres, tenho de pecar, tenho de pecar senão rebento, diz Edgar.
Trás-os-Montes, um livro aonde apetece voltar, como a todas as infâncias.
Sem comentários:
Enviar um comentário