Acompanhei o povo percorrendo as ruas da baixa de Lisboa. O povo gelado e o terreiro também. Estaríamos mortos?
Ali estava a geração anterior e a anterior àquela, os que teimam em não se esquecer do fascismo e ficam ali parados. As palavras de ordem do costume, fmi, não manda aqui, aumento de salários, e outros clichés irrealistas.
Não havia palavra de ordem para mim. Por isso não gritei, não desabafei, não catarseei, não me batam os puristas, por favor, que já me chegou de violência, à tarde e ao jantar – tive de ouvir, da boca de um jovem amigo, que a uma mulher grávida se não devia oferecer um lugar de substituição numa escola, uma vez que ela era muito capaz de meter baixa logo a seguir. Que se fosse numa empresa privada essa mulher nunca seria aceite.
E eu que já tinha ficado deprimida com a marcha da tarde, a andar para trás no tempo, o tempo em que os homens passavam à frente das mulheres, mesmo das que obtinham melhor avaliação que eles – por direito, escrito nas leis deles – ainda titubeei, com o apoio de uma única rapariguinha, palavras vãs.
Mas hoje de manhã percebo tudo, o retrocesso – o saudoso caminho de muitos, em direcção à pátria antiga, ao sítio de que só ouviram falar e não viveram, o quarto escuro do fascismo.
Cheguei a pensar que a palavra de ordem que me faltava era Portugal fora do euro, já, bem vejo que não há palavra de ordem que dê para isto tudo, que não passo de uma mulher, dessas mulheres que me cantava Carla Pires, logo de manhã, de palavras soltas, simples palavras ditas na boca de uma mulher. Ainda bem que apareceu hoje para o pequeno-almoço, Carla, tive muito prazer em conhecê-la.
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