Sonhei que era a Maria Mendes , lá para os lados de Paderne, que nos idos de novecentos, eu, a Maria Mendes , me teria perdido de amores por um algarvio , e que a esse chamamento da carne e da alma a que os mais românticos chamariam paixão e os menos pecadores, os de sotaina, devassidão, libertinagem, podridão.
Mas eu era a Maria Mendes e tinha já uns olhos transparentes e uma blusa florida além de umas pernas quentes sob a saia rodeada. Via-me numa noite de baile mandado a ser bem ou mal, mandada, pois, e a consentir. E a ir , numa relationship, num tempo sem facebook- antes-pelo-contrário- nesse tempo ou tinhas sido enganada e eras uma concubina, ou não o tendo sido o eras na mesma. E tu a criares a Mariazinha o melhor que sabias , a tratar-lhe das febres e das varicelas, mas a seres não mais que a madrasta, aquela com quem o pai dos filhos se deita no pecado. E a não poderes comungar na missa, que vives amancebada e em pecado mortal.
E nos idos de novecentos e tais, a Mariazinha já criada, que ao tempo não seria mais que a namorada do senhor doutor, que era o que eram as discretas obedientes noivas dos senhores doutores . A Maria coitada, a querer fundar uma próspera família, a desejar dar aos filhos o que ela não tinha tido, a haver de subir na vida. A Maria, o arrimo do seu homem, por quem tudo sacrificaria, a bem da nação, a bem da família. E o senhor doutor , coitado, a ter de assinar uns papéis para os senhores da nato, como muitos de nós tiveram de fazer , afirmar ser fiéis à pátria em papéis azuis em troca de um lugar, se o nosso nome não tivesse ainda sido inscrito em dossiers da António Maria Cardoso.
E vai o Senhor doutor, com tantas recomendações da sua Maria, que não falasse da outra a tal Mendes , a ser mais papista que o papa, a acrescentar uma notazinha de pé de página, pois claro, não fosse o diabo tecê-las.
E eu no meu sonho, a querer chamar os bois pelos nomes , aqueles que já na escola primária apontavam à professora – foi aquela menina , minha senhora, foi ela.
Vozes da criançada, filhos, netos e sobrinhos me invadiram a casa . Gritavam em espanhol, vá-se lá saber por quê, liberdade ou morte !
E então acordei.
Ainda bem que acordou!
ResponderEliminarÉ que se o sonho se prolongasse,de certeza que iria acabar numa enorme tragédia,e de tragédias já bastam as da vida!
Acordado