março 28, 2016

livros que brilham

Muita  gente me pergunta o que é que eu leio.

 Vou-me ficar pelos mais antigos, memórias do tempo em que recebi Os Lusíadas e, feita louca, passeava pelos campos a decifrar decassílabos durante as férias, a procurar no índice a explicação para tantos deuses, e cada deus era mais uma história, nos intervalos do jogo- do-mata, pelos caminhos de Monsanto com os amigos. Se fosse hoje seria pelo menos «esquisita», como ninguém ia ao psicólogo, salvei-me. 
Vislumbres do Verão em que uma amiga, bem mais velha, me emprestou outro livro cheiinho  de cantigas de amor e de amigo e de poetas do séc. XVI. Um exemplar  de capa dura, repleto de dourados, uma preciosidade. E todas as férias  lá ia eu pedir-lho outra vez. 
Há livros que estão proibidos de sair daqui, desta sala onde trabalho, destas estantes que me rodeiam- às vezes resigno-me e lá vão os autores estrangeiros-alguns. Mas como é que eu podia mandar a Anne Frank para o sótão, O Coração das Trevas ou o Faulkner que estou agora a reler? Nem morta!

Resisto a comprar muitos livros. Tenho, como quase sempre tive, uma biblioteca pública ao virar da esquina ou muito perto. Vou lá, para não encher as estantes. Mas como resistir a livros tão belos, como este do Fernando Pessoa, que até fala de mulheres? Trata das mulheres. Ama as mulheres, diz ele, a verdade ninguém sabe nem interessa nada para o caso. Interessam as palavras como lenços de seda pura a afagarem-nos o pescoço, a abrirem-nos os sorrisos.
Como é que se explica a sensação de ter lido Lobo Antunes em 1979,Memória de Elefante, um amor para a vida, Clarice Lispector, Erico Veríssimo, Jorge Amado, Agustina, José Saramago, Virginia Woolf? Ali estão eles, velhinhos, junto de Viagens na Minha Terra. Mais acima os Agualusas, Mias , Ondjakis, Luandinos.
 Os poetas, coitados, mesmo aqui à minha esquerda, do lado do coração – da Natália ao Cesário,a Pessanha ou António Botto , Pessoa, muito Pessoa e Ruy Belo, pois claro.

A Bíblia perto deles, ou na mesa-de-cabeceira. Não, não acredito em nada, só preciso das palavras.

As  palavras mudam de cor de cada vez que as leio. E há algumas que brilham , mesmo na noite escura.

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