novembro 19, 2014

Uma Outra Voz



Não que  seja a minha praia, a cultura clássica, mas que o conselho era de peso , era. O livrinho acabado de chegar do alfarrabista do costume , uma edição de 1876, e a epígrafe de Quinctiliano, l.X, c. 4.


 De grande utilidade é , e faz uma parte considerável da composição, o cuidado de corrigir os escriptos. E com razão se há dicto – que não faz menos a penna riscando, que escrevendo. 


Sábias palavras tinha eu na cabeça, que, a não ser os trabalhos feitos na hora, vulgo exames e frequências da Faculdade, também nunca fui de me conformar com primeiras provas de um texto, modificando sempre, a meu bel-prazer, não só para satisfação do leitor, que a par do prazer de ler, penso deva ser esclarecido, mas devido a uma insatisfação quase permanente, que a forma, o som, a sílaba, pode afagar, sobressaltar os sentidos . É que  aparece sempre uma palavra mais atraente que outra, mais perto ou mais longe da impressão que o texto se quer causar, tal como uma luz mais ténue ou mais brilhante é escolhida na paleta de tintas de quem pinta um retrato, uma paisagem, um sentimento ou a confusão de sentimentos de certos momentos da vida. Como se a mão de deus pegasse na nossa para escolher a perfeição da frase, da cor, da melodia. Sonho, se não impossível, inatingível e é nessa intangibilidade que reside o prazer da coisa.


   Ao  eliminar muitas das páginas deste seu primeiro romance Gabriela Ruivo Trindade  terá seguido o conselho de Quintiliano, a única achega  que eu teria a acrescentar à discussão que se gerou, – ou diria polémica? – à volta deste livro. 

 A eterna questão:almas diferentes, diferentes leituras. Há leitores que procuram a verossimelhança, um discurso plausível, que não perturbe a sua forma de ler. O facto de existir, por exemplo, uma prostituta como aquela, com aquele comportamento naquele sítio àquela hora parece ter sido difícil de digerir.

E eu penso em coisas que se escrevem, tanta vez muito mais reais e a parecerem fantasia.

Lembro-me da frase – Isto é a pura realidade – que alguém me aconselhou a riscar na estória da criada que tinha dado à luz no tapete da casa de banho. Mas tinha sido. Ou não, que quem conta um conto….
 A vida, ela mesma, tem cá uma imaginação, a própria vida é inverosímil.


O que sei é que depois desta saudável discussão de almas diferentes,  entre os que lêem e desconfiam e os outros, os que se deixam levar e gostam, tenho mesmo de ler este livro – o que já teria acontecido não fossem as restrições orçamentais, também aqui, na BMO.

Sem comentários:

Enviar um comentário