Não que seja a minha
praia, a cultura clássica, mas que o conselho era de peso , era. O livrinho
acabado de chegar do alfarrabista do costume , uma edição de 1876, e a epígrafe
de Quinctiliano, l.X, c. 4.
De grande utilidade é , e faz uma parte
considerável da composição, o cuidado de corrigir os escriptos. E com razão se
há dicto – que não faz menos a penna riscando, que escrevendo.
Sábias palavras tinha eu na
cabeça, que, a não ser os trabalhos feitos na hora, vulgo exames e
frequências da Faculdade, também nunca fui de me conformar com primeiras provas
de um texto, modificando sempre, a meu bel-prazer, não só para satisfação do
leitor, que a par do prazer de ler, penso deva ser esclarecido, mas devido a
uma insatisfação quase permanente, que a forma, o som, a sílaba, pode afagar,
sobressaltar os sentidos . É que aparece
sempre uma palavra mais atraente que outra, mais perto ou mais longe da
impressão que o texto se quer causar, tal como uma luz mais ténue ou mais
brilhante é escolhida na paleta de tintas de quem pinta um retrato, uma
paisagem, um sentimento ou a confusão de sentimentos de certos momentos da
vida. Como se a mão de deus pegasse na nossa para escolher a perfeição da frase,
da cor, da melodia. Sonho, se não impossível, inatingível e é nessa
intangibilidade que reside o prazer da coisa.
Ao
eliminar muitas das páginas deste seu primeiro romance Gabriela Ruivo Trindade terá seguido o conselho de Quintiliano, a
única achega que eu teria a acrescentar
à discussão que se gerou, – ou diria polémica? – à volta deste livro.
A eterna questão:almas diferentes, diferentes leituras. Há
leitores que procuram a verossimelhança, um discurso plausível, que não
perturbe a sua forma de ler. O facto de existir, por exemplo, uma prostituta
como aquela, com aquele comportamento naquele sítio àquela hora parece ter sido
difícil de digerir.
E eu penso em coisas que se escrevem,
tanta vez muito mais reais e a parecerem fantasia.
Lembro-me da frase – Isto é a
pura realidade – que alguém me aconselhou a riscar na estória da criada que
tinha dado à luz no tapete da casa de banho. Mas tinha sido. Ou não, que quem
conta um conto….
A vida, ela mesma, tem cá uma imaginação, a própria vida é
inverosímil.
O que sei é que depois desta
saudável discussão de almas diferentes, entre os que lêem e desconfiam e os outros, os
que se deixam levar e gostam, tenho mesmo de ler este livro – o que já teria
acontecido não fossem as restrições orçamentais, também aqui, na BMO.
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