Leituras partilhadas
BAPTISTA BASTOS
é um dos meus escritores preferidos. UM HOMEM PARADO NO INVERNO, um dos seus
romances que há dias me apeteceu reler, data de 1991. Deparei
nele com este dramático retrato do povo português.
Não há nele
qualquer “manto diáfano da fantasia” de que falava o Eça. É tão só a “nudez
forte da verdade” mais crua e dolorosa.
Passaram vinte
e poucos anos sobre a data em que foi escrito. Algo terá mudado aqui e além,
mas, o essencial mantém-se. É um retrato cruel que, nestes nossos dias,
assume uma particular evidência e gravidade.
“Os portugueses
lastimam-se, lamentam-se, queixam-se, só raramente protestam, só raramente se
indignam; falam baixo, discutem futebol toda a semana, creem na má sorte, acreditam
no milagre de Fátima, amontoam-se, tornam-se patéticos com a modéstia abjeta
dos seus desejos. Ei-los maltratados, agredidos, feridos, arranhados e
resignam-se à ilusória ficção de que, quando contam as suas desgraças, são
escutados com reverente compreensão e simpatia. E fazem-no sem pudor.
Satisfazem-se demonstrando as suas misérias, até publicamente. Aos domingos
passeiam aos magotes pelos centros comerciais.”
“Vivem num
crisol, de inveja, despeito e ódio; absurdos e anacrónicos, desencontraram-se
com a História e a História não esperou por eles; a repressão ideológica, a
perseguição à ciência, o obscurantismo cultural, duraram séculos e geraram um
povo que possui a volúpia do mesquinho na mesquinhez, resignados e infelizes
não perdoam e fecundam uma inferioridade que os incita à indiferença ou ao
rancor, é um povo herdeiro do mal, assassina por uma partilha duvidosa de bens
ou por um regueiro de água que, no seu entender, lhe foi abusivamente desviado;
emigra e faz um leito de nações, porém é incapaz de promover o seu destino
coletivo; não representa, enuncia; não realiza, deseja; de longe em longe,
experimenta uma sensação de euforia passageira, porém, logo se dilui na inveja,
logo se veste de uma odiosa melancolia.”
“No entanto,
nada há mais belo do que sentir a afinidade profunda com esta terra que detesto
mas da qual não consigo ou não sei separar-me!”
Aniper
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