setembro 18, 2014

Baptista Bastos - só raramente se indignam, os portugueses



  Leituras partilhadas

 BAPTISTA BASTOS é um dos meus escritores preferidos. UM HOMEM PARADO NO INVERNO, um dos seus romances que há dias me apeteceu reler,  data de 1991. Deparei  nele com este  dramático retrato do  povo português.
Não há nele qualquer “manto diáfano da fantasia” de que falava o Eça. É tão só a “nudez forte da verdade” mais crua e dolorosa.
Passaram vinte e poucos anos sobre a data em que foi escrito. Algo terá mudado aqui e além, mas, o essencial mantém-se. É um retrato cruel que,  nestes nossos dias,  assume uma particular evidência e gravidade.

“Os portugueses lastimam-se, lamentam-se, queixam-se, só raramente protestam, só raramente se indignam; falam baixo, discutem futebol toda a semana, creem na má sorte, acreditam no milagre de Fátima, amontoam-se, tornam-se patéticos com a modéstia abjeta dos seus desejos. Ei-los maltratados, agredidos, feridos, arranhados e resignam-se à ilusória ficção de que, quando contam as suas desgraças, são escutados com reverente compreensão e simpatia. E fazem-no sem pudor. Satisfazem-se demonstrando as suas misérias, até publicamente. Aos domingos passeiam aos magotes pelos centros comerciais.”

“Vivem num crisol, de inveja, despeito e ódio; absurdos e anacrónicos, desencontraram-se com a História e a História não esperou por eles; a repressão ideológica, a perseguição à ciência, o obscurantismo cultural, duraram séculos e geraram um povo que possui a volúpia do mesquinho na mesquinhez, resignados e infelizes não perdoam e fecundam uma inferioridade que os incita à indiferença ou ao rancor, é um povo herdeiro do mal, assassina por uma partilha duvidosa de bens ou por um regueiro de água que, no seu entender, lhe foi abusivamente desviado; emigra e faz um leito de nações, porém é incapaz de promover o seu destino coletivo; não representa, enuncia; não realiza, deseja; de longe em longe, experimenta uma sensação de euforia passageira, porém, logo se dilui na inveja, logo se veste de uma odiosa melancolia.”

“No entanto, nada há mais belo do que sentir a afinidade profunda com esta terra que detesto mas da qual não consigo ou não sei separar-me!”
 Aniper

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