abril 12, 2014

In memoriam 25 de abril




Era uma vez um império onde vivia um povo subjugado e calado. No dia em que o povo se levantou, dizem que numa madrugada inteira e limpa, foi o reizinho obrigado a fugir para a terra dos seus egrégios avós – nem frutos exóticos, nem pedras preciosas, muito menos paredes douradas ou de brilhos adamantinos. O menino tinha ouvido, muitíssimas vezes, contar as aventuras dos tais antepassados que se tinham feito ao mar em cascas de noz e tinham comerciado escravos pelo mundo. Comércio de escravos -  escravos, dinheiro-  dinheiro – muito! Pensava o reizinho.


Quando chegou a hora, subiu o menino a um trono sem império. – Este negócio com escravos vou eu empreender, que sou um grande empreendedor. E o menino, agora jovem rei, fingindo ouvir os conselhos dos experientes anciãos, “que aquilo tinha sido chão que dera uva”, confiou-lhes o seu grande projecto – Mas para quê caravelas, para quê transportar escravos de um lado para o outro? Muito mais lucro me dará aproveitar esta gente, aqui à mão de semear, os meus vizinhos.
 Bem lhe diziam que aquilo não ia resultar, que o que ele tinha em mente era medíocre (não usavam esta palavra, falavam em “inconseguimento”). Avisaram-no, que um tal projecto fazia lembrar o de alguns colonos ignorantes, com falta de visão global. Esses, que montavam uma tenda junto a populações autóctones desprotegidas. Por mais que esmifrassem os habitantes das pobres tribos, com vendas a fiado para o resto da vida, a verdade é que muitos tinham acabado por morrer antes de as pagar. E os esclavagistas medíocres a falirem e a terem de fugir para brasis e coisas que tais. 

O rei-teimoso montou uma banca à porta da Curraleira, multiplicou o negócio junto ao bairro da Mina e por todas as províncias do reino, oferecendo descontos e Audis A4.

 O povo adoecia e morria pelas esquinas do reino. 


Teve então o jovem rei outra brilhante ideia à qual chamou “projecto conciliador” – transformar o país num campo de escravos. – Eles vão ver. Chamou os conselheiros e disse – Esta gente não produz, baixem se os salários, a esses inúteis, professores, poetas, enfermeiros,cantores, cientistas e quejandos. Contudo, aos mais abastados, poucochinho, que os quero do meu lado.


Alguns dos Heróis Adormecidos ainda reagiram. – Queriam falar ao povo. – Façam como quiserem! Gritou a sogra da Bela Adormecida, madame Torquemada, a mulher mais poderosa do reino da Dinamarca.


4 comentários:

  1. Torquemada e os seus inquéritos, Macbeth e as intrigas de Corte, personagens imortais do inferno eterno da vida. Deslizam silenciosos à espera da presa, para a abocanharem, incauta e surpresa, sem piedade. Estão em todos os lugares e mais alguns, emigram e imigram, disfarçam-se, macaqueiam-se, nunca se distraem. Nós sim, somos distraídos, esquecidos, de curta e leve memória, somos tolos, permitimos que renasçam, cresçam, engordem, se tornem anafados e poderosos, quais monstros que acabam por nos comer ao pequeno e aos outros almoços.

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    1. É mesmo assim, diria até que de tempos a tempos ressuscitam, estes "vampiros do universo todo".

      Mas resistir, a estes mascarados , sempre , é preciso. A eterna luta - derrotar o mal.

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  2. A propósito do 25 de Abril apetece-me dizer qualquer coisa sobre um excelente livro do João de Mello que estou e reler pela terceira ou quarta vez. AUTÓPSIA DE UM MAR DE RUINAS. Que ligação há entre este livro e o 25 de Abril (acho que o AO estabelece que o nome dos meses não necessitam de ser escritos com maiúscula. OK, nada a opor, mas para mim e como lembrou Seixas da Costa no seu blog DUAS OU TRÊS COISAS, Abril sempre será escrito com maiúscula. Por razões mais que óbvias!). Voltando à relação entre a AUTÓPSIA do João de Mello e o 25 de Abril, direi que se trata de um livro pungente, doloroso até mais não poder ser, sobre a nossa infeliz guerra colonial, escrito por alguém que a viveu e a sofreu pessoalmente. A relação é, por isso, evidente já que sem o fim da guerra colonial, o 25 de Abril não faria sentido.

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    1. "O Meu Mundo Não é Deste Reino", do mesmo autor, também "doloroso e pungente", lembro-me. A incompetência, a cegueira dos regimes que nos mergulham em mares de ruínas será cíclica, reinventar futuros de esperança,uma tarefa para gerações futuras...

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