– as boas raparigas vão para o céu, as más para todo o lado – e o senhor artur

Nunca percebi bem por que é que introduzimos aquela variante nas nossas relações, chamar senhor artur, ao senhor artur. Naquele tempo, só se nomeavam assim os homens “ de baixa condição”, os homens e as mulheres. Eu explico, havia senhores doutores, senhores coronéis, senhores doutores juízes, senhores silvas, senhores cardosos. Mas o senhor antónio, o senhor pedro ou o senhor joaquim, faziam parte do grupo dos serviçais, os que serviam certas classes a troco de um pequeno salário.

Ora o senhor artur não era nada disso. Era nem mais nem menos do que um ex-seminarista, um pouco mais velho que nós. O ter sido quase padre e estar a estudar psicologia, dava-lhe o direito de se permitir certas conversas com as meninas – foi o primeiro e único homem, para além do médico, diga-se, a quem ouvi manifestar interesse sobre a data da minha primeira menstruação. Naquele tempo, mesmo as mães pouco falavam sobre isso e só algumas tias velhas é que ofereciam livros chamados- já és uma mulherzinha – mas o senhor artur perguntava e obtinha respostas. Abria caminho para conversas ainda mais íntimas sobre a alma e o corpo humano, está visto. 

O certo é que o senhor artur se tornou numa espécie de guru. E o mais certo era encontrá-lo frequentemente rodeado de três ou quatro miúdas, a impingir-lhes receitas para a vida, conselhos para o dia-a-dia. Dizia estudar psicologia, tinha experiência de tudo, até de escrever livros, como um que me mostrou na biblioteca do bairro, com uma capa muito avançada tipo – homens na lua – cuja leitura se veio a verificar uma enorme desilusão. Nada tinha a ver com filosofia, psicologia, muito menos com conhecimentos sobre a comédia humana que ele parecia querer provar.

 Muito tempo depois vim a conhecer outros ex- seminaristas. Cada um daria um romance. Mas a este senhor artur, pleno de opiniões e a ter convivido tão intimamente com deus, devia ser por isso, chamámos-lhe senhor artur.