novembro 08, 2010

Mr. Parkinson

Como vais? -Mr. Parkinson ´s bothering me again.
Como no tempo de outros eufemismos para circunstâncias desagradáveis: os incómodos, a história, o ministro do interior, assim referíamos o inominável, a menstruação, o mênstruo, palavra só lida em publicações naive do género “Já és uma mulherzinha”, lembranças de tias-avós de boa vontade onde nos apresentavam a vida das mulheres como se nada se passasse para além daquilo todos os meses - o período que aceitávamos com maior ou menor humilhação e que escondíamos dos companheiros de brincadeiras para não gozarem connosco.

Tudo era uma enorme vergonha, “ A senhora dona Teresa quer fazer de nós umas mu-lher-zinhas!” repetíamos em coro a frase da velha senhora que tanto nos falava de deus, como nos punha o coração aos saltos antecipando a aventura de ir a correr para as missões em África. Mas a Chica, esse escândalo, assunto deselegante, jamais foi aflorado nas deliciosas aulas de moral.

Pois neste caso, não o ministro do interior mas Mr. Parkinson. Mr. Parkinson acompanha a minha amiga já há algum tempo e achamos injusto. Injusto que uma pessoa tão viva, tão sensível, tão capaz de se envolver, seja com uma personagem num palco, uma história de encantar dos tempos antigos, um novo projecto prestes a ser editado ou mais uma vez adiado, uma aguarela de cores sempre quentes, alguém tão fantasticamente vivo se veja forçado a afundar-se numa incomunicabilidade crescente. Começa por fugir o discurso em português, cada vez mais as nossas conversas são bilingues. Alguns termos da própria língua-mãe começam a não chegar à fala, se assim se pode dizer.
They, the Brits, não são … that´s why I like talking to you, you can guess what I mean.

Mas esta amiga, como outro velho e querido amigo que muitos conheceram e a quem Mr. Parkinson também parece ter atazanado, o Badaró, não perderam a capacidade de se apaixonar. O Chinesinho limpó-pó (para alguns isto é mesmo chinês) , aos setenta perdido de amores por uma jovem rapariga, como Goethe. E o inesquecível brilho no olhar quando falava dela? E as lágrimas de paixão quando, tanto quanto me apercebi, acabou por ser rejeitado? Também esta amiga tem paixões imaginárias. E eu digo-lhe que não interessa se é verdade ou mentira que ele a espera e a convida para passear de carro. Para ela isso é real. E sim senhor, ele é casado. E claro que sim, os nazis que em 39 ameaçavam a paz familiar de garotinhas de bibe em Inglaterra mudaram-se para a rua onde vivia, controlam agora um bairro português à beira do Tejo. Parece que este Mr. Parkinson impele as pessoas a violentas fugas para a frente. Correm, correm, com medo de lá não chegar, nem ao que ficou para trás nem ao que está logo ali, diante dos olhos.
Um problema, os meus attacks, tremo sem conseguir parar, não posso andar sozinha… A mim deixam-me tomar uma “bica” depois de almoço, Mr. Parkinson likes it.

E a nós, que um dia teremos estas idades e que morreremos também, horroriza-nos pensar se connosco será assim, que Mr. Parkinson ou Alzheimer nos poderá infernizar a vida, tornar dependentes de senhoras muito simpáticas que nos acolherão numa casa no campo (ao menos isso) de modo a que os nossos filhos consigam viver sem o remorso de uma culpa para a qual, ao fim e ao cabo, não foram pedidos nem achados.

Estou bem, sim, tu és a real friend. Sinto que estou numa prisão, outro dia é que descobri que nem sequer tenho transporte para sair daqui. Não, I´m not one of them. Sinto que quanto mais estou com eles … I’m not one of them. Não quero ser um deles.

E eu fujo para dentro de mim, para um título de Lobo Antunes – Não, não entres tão depressa nessa noite escura.

1 comentário:

  1. Gosto muito de ter uma amiga assim,que na revolta ao que apouca já idos e presentes,os devolve intactos ao passado,ao presente e ao que virá!


    SOUFAN

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