outubro 28, 2009

amarras e o dragão

Em "Chinfrim" , bem escolhidas imagens documentam estados de alma. Lembro o tempo distante das amarras do cinzentismo do fascismo (por que se faz sempre esta associação, só quem por lá passou saberá). Um tempo em que valia tudo, desde censurar o que lias, os textos que escrevias, até te enterrarem viva no local de trabalho ou nalguma “instituição” . E, de como muitos de nós, na adolescência, se recolhiam num mundo de fantasia, onde voávamos por azuis mais abertos e navegávamos pelos mares misteriosos do nosso desgosto.

À nossa memória basta por vezes um pequeno click para voltar atrás.

Era uma criança de olhar vago, não diria perdido nem sequer triste. Os seus olhos viajavam por mundos incógnitos: dragões dourados, promessas de asas.
Nem tudo fazia sentido, a vida era um marulhar à volta -o seu dragão favorito escutava todos os porquês e interrogações.
Isto já foi há muito, muito tempo, nem sei porque insisto nesta estória.
Ramoth -- tinha-o ele encontrado entre as páginas de um livro e escondera-o no seu quarto. Ninguém lá podia entrar. Aninhava-se aos pés da cama, fechava as asas e as escamas ficavam da cor do edredon. De manhã era tratado com um pano de lã, escama a escama, fechava os olhos durante esta operação. A seguir a criança abria a janela, o dragão saltava e voava para um breve passeio. Quando pegava na mochila e descia para a rua, já Ramoth sobrevoava o portão da casa. Acompanhava-o até à escola.
Contava como na terra dos dragões se era amigo de verdade. Se alguém tinha uma tarefa a cumprir e tinha de partir, esperava-se. Esperava-se sempre. No sítio dos dragões o tempo era diferente.

Francisco voltava para almoçar. À janela, de olhos fechados, sem conseguir resistir ao brilho do Sol, lá estava ele, não comia nem bebia, o sol era o seu alimento.

Antes de fazer os trabalhos da escola, Francisco encostava-se ao seu amigo. Assim, sentado, o dragão era pouco maior que ele. Com aquele aspecto, um dourado metálico, ninguém diria como era confortável; Ramoth levantava a asa esquerda e ele metia-se lá debaixo. Pareces uma galinha, murmurava Francisco, e deixava-se dormir. Ramoth sorria devagar como só os dragões sabem sorrir.
Ensina-me a voar.


"Make no judgments where you have no compassion"
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Anne McCaffrey, O Planeta dos Dragões, colecção Argonauta

1 comentário:

  1. Gosto muito desta história!
    Também eu tenho um Ramoth,note que não digo tive!
    Que é feito do seu dragãozinho?Se calhar ainda existe...tenho a certeza que sim!

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