novembro 25, 2009

25 de Novembro

Século Passado, Jorge Silva Melo, ed. Cotovia. Prosa suave, em que a amargura do que poderia ter sido, a desilusão aceite dos comportamentos, aparece longe da agressão. Será assim a saudade?

“Eu vi nascer o 25 de Novembro muito antes. Numa manhã fria de 68, em frente à Reitoria, ao alto da Alameda da Universidade.” Em Revista Abril em Maio, de Maio de 1999, crónica reeditada neste volume que “ não é um diário mas um calendário privado sazonal”,relata o autor o que observou num plenário de estudantes em greve: como um dirigente próximo de um partido na clandestinidade, “meteu ao bolso” uma moção enviada para a mesa sem sequer ter sido lida à assembleia. Diz ele que aquele tempo da luta que “forçou as leis a cair e as doutrinas a mudar”, já continha em si o 25 de Novembro. E teimosamente reafirma uma escolha fundamental, a acção. Importante é ser aquilo de que não se importará nunca de ser acusado, um activista.

Mais uma pérola de escrita de uma vida longe da ignorância , uma escrita, posso dizer, muito perto dos deuses.

A quantas mais moções não terão feito ouvidos de mercador, os actores da gigantesca farsa que tudo isto tem sido, os inscritos, estou a vê-los em slow motion metendo moções ao bolso e sentando-se em sucessivas cadeiras, presidenciais, hemicíclicas, empresariais. E os nem uma coisa nem outra, como refere JSM ,os não inscritos ou não alinhados da época, os independentes, tantas vezes levados para a frente do touro e convenientemente abandonados no campo de batalha.

Lembro as noites de Novembro a guardar a revolução, Setúbal, sons de panhards, tiros em Belém, Cavalaria 7 em casa da Catalina. No dia seguinte, uma caminhada de lágrimas pela Gago Coutinho acima. Nunca mais vi ninguém. À Catalina vi-a há dias na televisão. Também já não tem esperança.

Levámos hoje a sepultar mais um capitão dos de Abril, dos que ,ora são olhados como perigosos esquerdistas, ora como representantes de certo sindicalismo corporativo. Todos arriscaram no tempo incerto . Muitos se afastaram na hora certa. Outros foram saneados por não terem desistido de mandar moções para a mesa. Choveram cravos sobre a urna. E alguém muito jovem perguntou "mas afinal o que foi o 25 de Novembro?". E eu, que também não sei bem, respondi "Foi o enterro do 25 de Abril".

1 comentário:

  1. Sobre o 25 de Novembro não tenho nada a acrescentar. Choveu sobre Lisboa. A assinalar o dia...
    Sobre o capitão de Abril que foi hoje a enterrar, deixo aqui as palavras de um cântico italiano do século XVII, de Giuseppe de Marzi, que diz assim:

    «Dio del cielo, Signore dele cime,
    un nostro amico hai chiesto alla montagna.
    Ma ti preghiamo, ma ti preghiamo: Su nel Paradiso, su nel Paradiso, lascialo andare per le tue montagne.»

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