Ousadia de costumes.
2. A inteligência.
Judite não era virgem, tinha sido casada, era viúva. Observou a reacção de Holofernes, para quem se tinha despido da viuvez “ e feito extremamente bela”, percebera nele o despertar do desejo. Deve ter antecipado e pressentido a sensualidade expressa no texto:
“Então inflamou-se o coração de Holofernes, o seu espírito se agitou e foi tomado de ardente desejo de se unir com Judite; com efeito, desde o dia em que a vira pela primeira vez, aguardava a ocasião de seduzi-la.” (Judite, 12,16).
Teria ela vacilado nos seus propósitos, seria Holofernes tão belo quanto o de Gentileschi?
Que terá ela evitado para que não se lhe amaciasse a vontade? Para que se cumprisse a salvação do seu povo? Teria desviado o olhar do de Holofernes, afastado a mão que ele tomara? Não o saberemos, mas conhecemos as suas palavras quando finalmente está prestes a decapitá-lo.
“ Senhor Deus todo-poderoso, lançai agora um olhar sobre o empreendimento de minhas mãos, para a exaltação de Jerusalém!” (Judite 13,4).
Judite pede a deus a frieza e a determinação que observamos em Artemisia Gentileschi: nos braços fortes de Judite, na cabeça levantada que avalia o gesto, se concentra sobre a direcção da força a aplicar, sem hesitar, sem desviar o olhar, bem longe do estereótipo do feminino.
A morte de Holofernes “ E com toda a energia por duas vezes golpeou a cabeça de Holofernes, cortando-lhe a cabeça” (Judite 13, 8).
Judite é uma mulher guerreira que age solitária.
Artemisia faz intervir na acção a criada de Judite, como, aliás, outros autores – Giovanni Battista Piazzetta, Goya, Klimt; Em Gentileschi vemos na serva uma mulher que apoia a ama, para quem a pintora escolheu uma postura mais contrafeita, inclinada e de peito recolhido, ao contrário de Judite. Contudo, outros autores preferem seguir o texto bíblico; ali Judite actua de forma totalmente independente, ela manda sair a serva para perpetrar o assassínio.
“Judite então ordenou à serva que ficasse fora do aposento de dormir (…) pois iria fazer a sua oração.” (Judite, 13,3).
Assim, foi Judite o braço armado de deus, aquela de quem o senhor se serviu para salvar o seu povo. Apesar do gesto determinado, da arquitectura do crime, é a deus que se devem entoar hinos de salvação, como se dissesse “ eu não mataria, eu amo a vida”.
“Entoai hinos a meu Deus “ “ Pois é um Deus que põe termo às guerras. (Judite,16, 1 e 2).
Fecha-se o anel, a mulher que dá a vida e dá a morte; a sedução, fonte de vida, atalho para a morte. Salvação e queda. Que mulheres serão estas? O princípio e o fim, emanação do próprio deus, a deusa? A palavra salvífica? A fonte e o fogo. O amor, e no extremo dele a vingança ou a morte quando tiver que ser.
Citações
In, A Bíblia,ed. Vitor Civita (1976),Judite
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