janeiro 03, 2015

Unamuno e Manuel Laranjeira



Estive há uns meses na Biblioteca Nacional para assistir ao lançamento da  5ª edição do livro de filosofia politica – A CONFIANÇA NO MUNDO, SOBRE A TORTURA EM DEMOCRACIA - que José Sócrates escreveu e que nesta edição especial  contem uma excelente capa de Júlio Pomar e um profundo postfácio do pensador Eduardo Lourenço.

Antes do início da sessão passei pela livraria da Biblioteca onde encontrei um interessante opúsculo de Miguel Unamuno com o título: OS PORTUGUESES,  UM POVO SUICIDA. Talvez mais interessante e ajustada ao momento que vivemos é uma carta de Manuel Laranjeira que Unamuno reproduz na íntegra.  Não vou deter-me sobre a biografia de Manuel Laranjeira. Quem estiver interessado em conhecê-la encontrará no Google bastante informação sobre este médico pensador (1877/1912) que teve uma activa vida política e intelectual e que acabou suicidando-se também.

Limitar-me-ei  a transcrever a carta que Miguel Laranjeira dirigiu a Unamuno que a ela se refere dizendo o seguinte:

“Lede agora uma carta que um dos meus amigos portugueses - Miguel Laranjeira - me escreveu há um mês. Refere-se ela à minha notícia de que penso publicar um livro sobre Portugal. Aqui a deixo sem nada suprimir:

Amigo, não imagina o prazer que senti ao saber que V., espírito superior, andava a compor um livro sobre as coisas da minha terra, desta minha tão desgraçada terra de Portugal.
Desgraçada! É a palavra.

O pessimismo suicida de Antero de Quental, de Soares dos Reis, de Camilo, mesmo do próprio Alexandre Herculano (que se suicidou pelo isolamento como os monges) não são flores negras e artificiais de decadentismo literário. Essas estranhas figuras de trágica desesperação irrompem espontaneamente, como árvores envenenadas, do seio da Terra Portuguesa. São nossas, são portuguesas, pagaram por todos. Expiaram a desgraça de todos nós. Dir-se-ia que foi toda uma raça que se suicidou.

Em Portugal chegou-se a este princípio de filosofia desesperada: o suicídio é um recurso nobre, é uma espécie de redenção moral. Neste malfadado país, tudo o que é nobre, suicida-se; tudo o que é canalha, triunfa!

Chegámos a isto, amigo. Eis a nossa desgraça. Desgraça de todos nós, porque a sentimos pesar sobre nós, sobre o nosso espírito, sobre a nossa alma desolada e triste, como uma atmosfera de pesadelo, depressiva e má. O nosso mal é uma espécie de cansaço moral, de tédio moral, o cansaço e o tédio de todos os que se fartaram de crer!

Crer?! Em Portugal a única crença ainda digna de respeito é a crença na morte libertadora. É horrível mas é assim!

A Europa despreza-nos, a Europa civilizada ignora-nos, a Europa medíocre, burguesa, prática e egoísta, detesta-nos como se detesta gente sem vergonha, sobretudo…sem dinheiro. Apesar disso, em Portugal ainda há muita nobreza moral, ainda há pelo menos nobreza moral para morrer e ainda existem coisas bem dignas de simpatia.

O seu livro há-de reabilitar-nos um pouco, seguramente V. , que é homem de paixão e sentimento e vê as coisas da vida através da lógica afectiva, há de ser naturalmente  levado a defender calorosamente um povo essencialmente sentimental.

Quando penso que sobre nós pesa a herança trágica, secular duma ignorância podre e duma corrupção criminosa, o meu espírito enegrece e sinto-me possuído de um pavor indizível, talvez absurdo. E, mais que saber se vamos para a vida ou para a morte, me preocupa saber se morreremos nobre ou miseravelmente!
 Aniper

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