dezembro 01, 2015

Clarice Lispector (2)

Lá estava ele, o ciumento, o senhor da biblioteca, esperando por Clarice . E a mim a custar-me ter de a lá deixar, entre os ácaros- antes a tal  barata, Clarice.


Valeu a pena ter pecado, ter ficado de castigo, ter adormecido perto dela todo este tempo. 

– No Congresso pretendo mais ouvir que falar. –  Disse ela.  Em Bogotá limitou-se a ler esta  pequena introdução.



«Eu tenho pouco a dizer sobre magia.
Na verdade eu acho que o nosso contacto com o sobrenatural deve ser feito em silêncio e numa profunda meditação solitária. A inspiração, em todas as formas de arte, tem um toque de magia porque a criação é uma coisa perfeitamente inexplicável. Ninguém sabe nada a respeito dela.
Não creio que a inspiração venha de fora para dentro, de forças sobrenaturais. Suponho que ela emerge do mais profundo do “ eu” de uma pessoa, do mais profundo inconsciente individual, colectivo e cósmico.
Mas também é verdade que tudo o que em vida é chamado por nós de “natural” é na verdade tão inexplicável como se fosse sobrenatural.

Acontece que tudo o que eu tenho a dar a vocês todos é apenas minha literatura. E alguém vai ler agora em espanhol um texto que escrevi, uma espécie de conto chamado “O ovo e a galinha”, que é misterioso mesmo para mim e tem uma simbologia secreta. Eu peço a vocês para não ouvirem só com o raciocínio porque, se vocês tentarem apenas raciocinar, tudo o que vai ser dito escapará ao entendimento. Se uma dúzia de ouvintes sentir o meu texto, já me darei por satisfeita.» 

Clarice Lispector, in Moser.


Sem comentários:

Enviar um comentário